quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

epistolário grandiloqüente elisabetano

Vrubel -Hamlet e Ofélia
Carta de Hamlet a a Ofélia, em seu túmulo


"Não há nada de que o homem tenha tanto medo quanto saber as enormidades que ele pode fazer e se tornar."


Kierkegaard, Filófoso dinamarquês



O que eu poderia dizer agora que estás morta, e eu havia te matado ainda muito antes, seguindo atalhos diferentes dos de tua companhia? Por que, linda Ofélia, insistiu em cantar profundidades suspirantes que não chegam sequer a adornar esse momento? Estás estupidamente lançada de seu turbilhão expressivo para este estupor eterno em que te vejo agora. O mundo é enfim esta surpresa serena que diviso em seus olhos cheios de vácuos? Você é mais uma morte, querida. Agora que retorno do estrangeiro, do país dos mortos, sei que minha revolta era certa, que devo entregar minhas ações ao juízo dos homens, decidindo sobre tantas vidas, com medo de abdicar do sonho que sonhei a teu lado, enquanto te irradiavas para dentro de teus cantos.


Não está mais frio aqui que na cova de meu pai. Também levantarás da tumba para me falar em sonhos? Tomarei lúcidas precauções. Bendirei os amigos mesmo sem saber que amizade importa àquele que não se conhece, ou que se ama e segue, de coração entregue a um prazer de cercar mistérios. Nunca mais os tédios das juras de amor. Receberei a verdade na cara limpa, de quem vier me dizer. Visitarei os xamãs das montanhas e grutas, beberei de seus encantamentos, lembrarei de você como uma verdade boa que me fez acreditar numa eternidade em que brevemente possamos nos encontrar.


Mas agora estou morto, e tenho por companhia seu vulto inerte. Escolho entre dor, o esforço da esperança, ou o tédio que se torna dificilmente risível depois.


Que terra de sonhos acolherá o sonho dos amantes? Eu estava preparado para partir em teu favor, porém escolhi a bravura de mergulhar no passado e tu me pareceu um surto juvenil, uma escolha espontânea, sincera, absurda, louca, feliz por um momento. Juntos, percorremos com risos e silêncios a grande cidade. De alma demos tudo, de corpo demos pouco. Os atos paralisaram pelas necessidades cruéis que nos acomodam ao conforto, chegamos a temer e depois a repudiar essa vontade de arriscar na terra de todas as oportunidades, de todas as guitarras. A dúvida me paralisou num solo fino que parecia linha terminal. Queria paz, mas reencontrei o êxtase em minha nova condição duvidosa, antes negada pelo sonho do amor. Com você eu tinha a paz da idiotice certeira mas entediei-me, achei covardia, equívoco, um erro contudo não arrependido. Uma benção que nos faturei com meu poder e sua aura de encanto. Agora, as obrigações. Nos veremos de novo, eu me tornarei um ser capaz de reencontrar-te, quando, aonde for. Não morreremos, Ofélia, não morreremos jamais. Este é o selo desta carta que entrego ao apodrecimento das horas. Deixo alguém contigo neste túmulo, mas acrescento um outro em mim, um que silencia com o que vê e que pressente o que vai acontecer.


Fui aberto a você. Mas, ainda éramos bichos recuados. Havia muita arte a construir juntos. Muita energia que foi convertendo-se em preguiça ante o descontentamento de ter de fazer novas relações entre as pessoas, pensamentos, sentimentos, objetos. Ter de reinventar a humanidade, quando eu retorno para o que é familiar.


Eu serei um artista, além de reinar sobre os poderes que me legaram, eu saberei inventar novas histórias para os homens, para o que eu posso reencontrar de humano em mim.

Minha doce criatura, éramos crianças. Quem seremos agora?


grandiloqüente epistolário elisabetano

Millais, Ophelia


Carta de Ofélia a Hamlet,

castelo de Elsinor, paisagem bergmaniana,

música incidental "somewhere there's a feather", Nico

Entre as cartas que te devolvo, deixo esta entreaberta, para que vejas logo o que tua loucura ainda permite ver, para que não rasgues, no impulso de uma esperança de esquecimento, um caminho que te valeu as penas, já entre tantas que nos acometem.
Vejo a arte em teus jogos de segredos e provérbios cifrados. Defendes o sentimento da revolta plena contra a injustiça da morte, não querendo mascarar com nenhum sentimento ideal de salvação a dor de ter de viver aprisionado nesses muros frios, detentores de tantos poderes. Calejas-te na dúvida, cruel, rancorosa, e desdenhas com soberba as fracas alternativas dos que te acompanham. O que eu e tua mãe, únicas mulheres neste antro de lobos famintos, poderíamos fazer a não ser defender nossas penas com sussurros de amor ou surtos silenciosos? Tua dúvida e desdém contra a própria vontade, violentada pelo conforto de ter as honras, tua revolta contra o desejo emancipador não te livra do ciclo de prazer e dor, girando onipotente sobre a umidade tediosa de nossos destinos marcados. Ou teremos salvação em terra estrangeira?

Aqui já houve quem jurasse o amor, por esquecimento também, pelo luto até, pela certeza de que, num homem, um futuro rei, uma visão ideal do paraíso e uma verdade de anjo que visitou o inferno reinariam no unguento único que é o compartilhar da dor, este momento de doce dificuldade que antecipa a comunhão das almas perdidas.

Mas não descobrimos a paciência. Nem nós, os amantes, nem eles, os inimigos, os mercadores. Agora, fingindo uma loucura maior do que todas, tu te orgulhas de se isentar da hipocrisia. Qual de nossos orgulhos será o mais justo e verdadeiro?

Que fantasmas domam o teu nome, Hamlet? Que palavras afora o desgosto, a vingança, a frieza, alijam teus pensamentos nas noites longas de nossos invernos?

Enquanto o passado nos paralisa, cada um desce o próprio fosso, preparando já a própria cova, ebulindo venenos, dando nós em armadilhas, escarrando maldições.

Com teu pai morto, mataste o meu. Aquele adulador não guiará meus caminhos mais, pois que me amaram por um instante breve e preciso como a morte que me mostrou. Ganhei coragem para ser louca, mas de verdade Hamlet.

Resta-me a mesma razão enlouquecedora que embruteceu teus sentidos ou o vão desepero de cantar as lembranças boas, como se nada mais existisse. O que eu escolheria?

Você ainda pode escolher em se deixar distrair pelos palhaços que te põem ao redor, enquanto crê na leveza do entrelaçar de uma vingança que faça precipitar um traidor para tornar outro traidor igual, bandido, entronado. Quais liras e jogos de espelho e jovens te distraem nesses dias?

A adulação e a falsa cumplicidade sitraem-te da incerteza de um amor precipitado, ele também, nos abismos de sonhos grandes, e por isso mesmo nobres, em terras novas. Quando fugiremos, Hamlet? Por que não fugimos, príncipe dos mares do norte? Em que praia realizaremos as imagens ditadas pela lua? Que sofros funéreos o astro noturno bafeja em tua cara nessas noites de tempestade?

Antes do dilúvio, era a certeza da carne, animada pela vida que nos restou. Meu colo era terra e chamas. Inquietos, procurávamos nos aperfeiçoar para o futuro. Agora, o passado. Devem ser só essas noites de infindas festividades. Ninguém sabe se chora o luto ou celebra o jubileu.... Vamos esperar Hamlet, guardemos nossas canções, essas outras canções, para depois, quando nos encontrarmos de novo no átrio do silêncio, para experimentarmos juntos, sem espanto ou ilusão, as magias universais.

Eu não tenho mais em que acreditar a não ser em milagres, Hamlet. Quero me lembrar de tantos sonhos juvenis, impetuosos, ousados, que foram capazes de salvar a história dos homens, distribuindo o pão, tornando ao menos compatível com a natureza nossa natureza excessiva.

Não quero tua atenção para que cuides de mim, mas para que deixe provar só o que for amor, chame isto uma coisa boa, sem juras, sem segredos, mas plena do silêncio confortável que só cumplicidade mais sobrenatural pode mobilizar.

Acredite-me sem ardis ou confissões, caro amigo, o que tinha para te dizer como amante já foi dito por outros amantes, agora falo como amiga, por amor dos homens, na hora urgente e atual, das celas que nos destinaram. Sim, o amor está para fora daqui, deve estar, mas o que faremos de nós mesmos, ainda que por jogo? É só angústia agora, de não fluir a imagem certa de um amor que assaltamos dos bolsos de nossos inimigos. Esperemos, Hamlet, Esperemos.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008


Aí vai um experimentação com vídeo tbm... Sempre gostei de ver as pessoas lendo seus próprios textos... Pra quem gosta tbm, aí vai um meu. Obviamente, já que me abri tanto, estou ainda mais aberto à críticas e comentários.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

ORGIA PARISIENSE OU PARIS SE REPOVOA

Foto: David Wojnarowicz - Rimbaud in New York


Em maio de 1871 o tempo devia estar bom em Paris. Era a esperada primavera, assim como aguardamos o verão. Rimbaud, dezesseis anos, chega pela terceria vez na cidade, fugido de sua cidadezinha rural, centenas de quilômetros depois, a pé. Instala-se com os poetras contestadores e jovens na Comuna, no bairro revolucionário do Quartier Latin, fechado por barricadas, onde se preparavam para viver na liberdade de um mundo sem posse.
Nesta época, Rimbaud explode seu gênio, pensa seu método de vidência, baseado no desregramento de todos os sentidos. E é quando escreve esse poema que resolvi traduzir hoje. Lembrou-me muito São Paulo, minha relação com esta cidade, de crítica mas amor, esperança, prazer e luta, em escala titânica.
Optei por manter o mesmo esquema de rimas, a alternância entre as imagens populares e as eruditas, o jogo entre as evocações vulgares, profanas, e as sagradas, mitológicas. Ser literal com Rimbaud é preservar sua ambigüidade, suas repetições calculadas e seus preciosismos, seu ímpeto apaixonado e seu distanciamento frio.


A Orgia Parisiense
Ou
Paris se Repovoa


Ah covardes, olhem lá! Desemboquem nas estações!
O sol enxugou com seus pulmões ardentes
Os bulevares que uma noite ficaram de Bárbaros aos milhões.
Vejam a Cidade santa, sentada no ocidente!

Vão! Previnirão os refluxos do que se incendia,
Vejam as marginais, os bulevares, olhe ou
As casas sobre o azul leve que se irradia
Que uma noite o vermelhão das bombas estrelou!

Fechem os palácios mortos nos nichos das hortas!
O indignado dia ancestral refrescou seus olhares.
Olha ali a trupe ruiva torcendo as ancas tortas:
Sejam loucos e serão engraçados, com indignados ares!

Tais as cadelas em cio comendo cataplasmas,
O grito das casas de ouro lhes reclamam. Roubem por todo lado!
Comam! Eis a noite da alegria em profundos espasmos
Que desce a rua. Ó bebedores desconsolados,

Bebam! Quando a luz chega intensa e louca,
Revistando ao lado de vocês os luxos farfalhantes,
Você não babarão, sem atitude, de palavra pouca,
Dentro de seus copos, os olhos perdidos em clarões distantes?

Engulam, pela Rainha de bundas cadentes!
Escutem a ação dos estúpidos soluços
Dilacerantes! Ouçam saltar nas noites ardentes
Os idiotas mal humorados, velhacos, volúveis, lacaios!

Ó corações de sujeira, bocas de horríveis lesmas,
Funcionem mais forte, bocas de fedores!
Um vinho para esses torpes ignóbeis, nessas mesas...
Suas barrigas são fundidas por vergonhas, ó Vencedores!

Abram as narinas para as soberbas náuseas!
Embebam de venenos fortes as cordas de seus pescoços!
Sobre as nucas de criança as mãos cruzadas baixam cada veia
O Poeta diz a vocês: “Ó covardes, sejam loucos!”

Pois vocês cavam o ventre da Fêmea,
Dela temem ainda outra convulsão
Que grita, asfixiando sua ninhada sem fama
Sobre o peito dela, numa horrível pressão.

Sifilíticos, loucos, reis, fúteis, ventríloquos,
O que podem fazer a Paris emputecida
Suas almas e corpos, venenos e cacos?
Ela sacudirá vocês dela, rancorosos apodrecidos.

E quando estiverem no chão, gemendo entranhas e costelas,
De flancos mortos, reclamando dinheiro, perdidos
A vermelha cortesã de seios fartos de batalhas,
Longe do estupor de vocês, cerrará os punhos ardidos!

Quando teus pés dançaram tão forte nos momentos de cólera
Paris! quando tantas lâminas te esfaquearam,
Quando você caiu, retendo nas pupilas claras
Um pouco da bondade dos selvagens que se renovaram,

Ó cidade dolorosa, ó cidade quase morta
A cabeça e os dois peitos lançados ao que só o Devir pode dizer
Abrindo sobre tua palidez milhares de portas,
Cidade que o Passado sombrio poderia bendizer:

Corpos remagnetizados por dores que enchem aldeias,
Tu bebes de novo da vida espantosa! Tu sentes
Silenciar o fluxo de versos lívidos em tuas veias,
E sobre teu claro amor roçarem dedos nada quentes!

E isto não é mau. Os versos, os versos lívidos
Não perturbarão mais teu sopro de Progresso
Pois os Estriges não apagaram os olhos das Cariátides
Onde as lágrimas de ouro astral caiam de azuis degraus.”

Ainda que seja aflitivo te rever coberta por esta rede
Assim; ainda que não tenham feito jamais em outra cidade
Úlcera mais fedorenta na Natureza verde,
O Poeta te diz: “Tua Beleza é radiante!”

A tempestade te sacrou suprema poesia:
O imenso revolver de forças te sacode fluido,
Tua obra combate, a morte gonga, Cidade da escolhida fantasia!
Recolhe estrondos do coração do clarão surdo.

O Poeta tomará o fôlego convulsivo dos Sem Fama,
O ódio dos Forçados, o clamor dos Malditos;
E seus raios de amor flagelarão as Fêmeas.
Suas estrofes bendirão: Olhem lá! olhem lá! bandidos!

- Sociedade, tudo está restabelecido: - as orgias
Choram seus velhos gemidos aos bordéis antigos:
E o gás em delírio nas avermelhadas muralhas,
Queima sinistramente contra os azuis esmaecidos!

Maio de 1871/Dezembro 2008
Link para o original:

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Um Poema de Anne Sexton

Esta tradução é dedicada a Antonio Ferah, que me apresentou essa poeta americana, aparentada de Sylvia Plath no estilo confessional, inédita no Brasil. Intriguei-me na força quase sexual com que ela luta contra a degeneração e a morte em geral, quase como um estupor plácido. Será? Bom... Deve valer tudo para explicar a atitude dos poetas, mais até que as patologias que a ciência inventa. Principalmente, porque aqui a sensibilidade feminina, incoercícel às palavras, se resguarda, cumulando vozes fúteis da algazarra civilizatória masculina.
A escolha desse poema em específico também se deu por razões que a ciência não explica.

Music Swims Back to Me
by Anne Sexton


Wait Mister. Which way is home?
They turned the light out
and the dark is moving in the corner.
There are no sign posts in this room,
four ladies, over eighty,
in diapers every one of them.
La la la, Oh music swims back to me
and I can feel the tune they played
the night they left me
in this private institution on a hill.

Imagine it. A radio playing
and everyone here was crazy.
I liked it and dance in a circle.
Music pours over the sense
and in a funny way
music sees more than I.
I mean it remembers better;
remembers the first night here.
It was the strangled cold of November;
even the stars were strapped in the sky
and that moon too bright
forking through the bars to stick me
with a singing in the head.
I have forgotten all the rest.

They lock me in this chair at eight a.m.
and there are no signs to tell the way,
just the radio beating to itself
and the song that remembers
more than I. Oh, la la la,
this music swims back to me.
The night I came I danced a circle
and was not afraid.
Mister?

a música nada de volta a mim

Espere Senhor. Qual caminho leva ao lar?
Eles apagaram as luzes
E o escuro se move no canto.
Não há nenhum sinalizador neste cômodo,
Quatro senhoras, pra lá dos oitenta,
De fraldas, cada uma delas.
Lalala, Ó a Música nada de volta para mim
E posso sentir o compasso que tocaram
Na noite em que me deixaram
Nesta instituição privada em uma colina.

Imagine. Um rádio tocando
E todo mundo aqui estava louco.
Gostei disso e dancei num círculo.
A música verte sobre os sentidos
E de um modo esquisito
A música vê mais do que eu.
Digo, ela se lembra melhor;
Lembra da primeira noite aqui.
Era o frio estrangulador de Novembro;
Mesmo as estrelas estavam amarradas ao céu
E a lua tão brilhante
Ramificando-se pelas fechaduras para me espetar
Com um cantar na cabeça.
Eu tenho esquecido todo o resto.

Trancam-me neste assento às 8 da manhã,
E não sinais para contar um caminho,
Apenas o rádio batendo-se para si mesmo
E a canção que lembra
mais do que eu. Ó, la la la,
essa música nada de volta para mim.
À noite eu cheguei e dancei um círculo
E não tive medo.
Senhor?

sábado, 13 de dezembro de 2008

milagre da carne

Rodin - Je suis belle, baseada em poema de Baudelaire


Como pude, do inferno mais absoluto da descrença, sorrir na esperança de um sonho incerto?
Um dia antes, estrebuchado na cama, afundando a cara na baba seca, tudo pareceu demais, o sonho uma besteira, o sexo uma desgraça, a certeza da saudade um amor que não se cumpriu como se prometeu, e eu queria tanto orientar minha vida para o amor, para o mais imbecil e absoluto dos interesses humanos, mas como crer por crer se o que me bate é um coração partido, e falo sério, não só por poesia barata, mas porque este meu órgão bate demais mesmo, quer eu ache que sofro demais, quer eu diga que a felicidade não existe. Bate mesmo quando não quero sentir nada, fica rondando atrás de alguma certeza de bem-estar passado, para me sentir vivo, para me sentir outro, um estrangeiro que a família e os amigos não conhecem nem podem, um estrangeiro que ousei mostrar para você, de vez em quando, nuns relances. Agora quero ser mistério insondável, mas multiplicando minhas próprias explicações sobre a superfície das coisas, uma revelação em cada objeto novo, em cada pessoa um irmão.
Mas eu estava no dia anterior, e ardia de impaciência, como se não merecesse ainda o caos da incerteza de um amor. Eu desejava qualquer coisa familiar, outra tempestade, algum sinal, alguma crença em sinais. O pior do fogo foi na ira mesma acender a vaidade, orgulhando-me de ser belo, nos momentos poucos em que julgo respirar aliviado. Aflição? Alguma patologia? Uma simples e incongruente injustiça do mundo? Alguma explicação para o jeito que luto para respirar? Mas o escuro, a incerteza, a apatia e a euforia, são momentâneos, e eu fico triste por saber que posso suportar a espera comedida de que eu acredite em mim do jeito que aquele sonho mostrou. Tudo isso que sinto é passageiro, mesmo o que não sinto, só não enquanto dura.
O tempo que resta é para investigar a realidade, descobrir uma nova arte, sair de si e entregar os braços e pernas ao mundo, de cabeça erguida. Mas eu quis sentir saudades e até o fim, até agora, e um dia será sem tristeza. Não ontem. Ontem foi suplício. Hoje espera. Para a semana, uns amigos novos e velhos. Para depois não quero saber, pois só no escuro saberei dormir, vagar pelo mundo dos sonhos, dos objetos e prazeres ilusórios, para colher alguma visão, outro sinal, alguma nova forma de ser. Com que bichos ou coisas sonharei?
Hoje eu só quero ser “eu arderia por esta pessoa mas sou só uma vaga idéia.” Hoje eu só quero brincar com quem brinca comigo, como se eu fosse uma possibilidade de amor distante, mas não para hoje. O dia de ontem ainda está muito próximo, ontem pode retornar a qualquer momento.
Você descobre, atordoado, que o passado não morre, que todos os amores são eternos, os que foram nos atormentam de saudades, os presentes, de dúvidas, os futuros, de medo e esperança, paradoxalmente.
Hoje a palavra amor é a minha droga, pois foi a única que me salvou de tantos mares de palavras sobre os prazeres possíveis. O que eu faria? Ser um descrente já é viver numa crença, pouco criativa, aliás.
Hoje eu descobri que posso escolher nomes novos para sentimentos velhos, fazendo uma coleção mais agradável de palavras. Chamei angústia de saudade. Chamei saudade de nostalgia. Nostalgia, eu chamei "tristeza com o presente", que eu chamei de inconformismo, que eu chamei de rebeldia, que eu chamei de imaturidade, mas também de força; força eu coloquei junto com as palavras hippies. Dúvida eu chamei de descanso e para o amor eu usei teu nome de novo. Só por hoje. Para ver o que acontece. Amanhã não prometo. Passei a chamar promessa de covardia. Mas, a covardia eu converti em medo. Sei que me cago de medo e o desejo sai rasteiro pelo ralo. Em seus braços eu só quero dormir. Esta noite. Mas não hoje. Hoje ainda é ressaca de ontem. Hoje é família, guitarras, conselhos de um amigo que observamos numa distância confortável, sair por aí, em outra cidade, em outro filme, em outro planeta, em algum lugar vai ter gente como eu. Quando eu conseguir ser eu de novo, um outro, um estrangeiro cheio de sonhos, estarei livre em seus braços, apenas pelo tesão de sentir que todo aquele desejo vale a pena, aquele corpo, cada parte onde afoguei meu fio de certeza, um corpo que abre meu corpo como onda marinha, até toda dor afogar em desejo, em mais um gozo, em mais uma torrente inconstante e necessária.
Vou parar de fechar o meu peito por tristeza e deixar o ar entrar mesmo com todas as palavras duvidosas de ontem, anteontem e sempre. Eu determino que meu corpo desfaleça na entrega ao resto de sensação que me sobrou entre as pernas. Que eu suspire fundo e entregue a coluna que me organiza ao prazer de ver o que virá, me testar em você, gemendo de tristeza, de descrença, mas de vontade de sentir o coração bater na preguiça de uma nova partida do jogo.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008




I want to stay one hundred, hungry times

feel a few glimpses of sunset fade away

turn my face to the thunder, a thousand places behind

follow the long line over the open sea, just to find

the whale's track, the howling wolf, the whole pack

wearing the wuthering voices

swearing the winds you worth in skin

climbing the breath in spine 'til the neck

spying the way we spin knots in our hair

what's about light at dawn anyway?

who and how they'll knock tonight or another day?

which ties fix these fists like a playful pain?

which promises would please you to bleed your veins?

I'm still waiting for the ancestral tempest,

still walking over walls like cats in anthems,

recognizing patterns of pests,

collecting unique pleasures of plastic,

winning the fathers' fears in a fantastic contest with fairs and such

enjoying everything and not talking too much

domingo, 7 de dezembro de 2008

um sonho lúcido



"if you're ever feeling blue then write another song about your dream of horses"



O rapaz descobre que a escrita tem poder. Sozinho, com as palavras e imagens de mundos tantos, arde pelo contato com as pessoas, as essências. Regendo uma sinfonia infinita de guitarras, tatuagens, traços primais, ele descobre que nada do que disseram era tão importante quanto o gesto livre de seu corpo agora.

Falo com quem quiser, falo o que quiser, poderei descobrir e defender um eu, alguém para preencher o abismo desta liberdade que, às vezes, nesses quadrados cheios de lembranças em que nos trancamos, me faz chorar. Crio dramas com palavras. Descubro que a alma é criada no abrir da boca. Agora sigo o gesto livre que me suspira o coração, já nem sei se triste ou feliz. Os nomes das coisas são todos ilusões, inclusive sentimento. Eu queria este calor comigo agora. As guitarras continuam, ninguém vai parar por você agora. Não adianta pedir. Há garotos cheios de fé e loucura lá fora. Nosso céu é o mesmo.
E eu que não acredito senão que tudo isso é ficção? Atraio as pessoas que, como eu, criam seus próprios rituais, que vislumbram um rito circular em cada momento, até no tedio. Eu sei, tudo isso porque você quer acreditar na poesia hoje também, embora o sol e a chuva e o desejo sejam mais absolutos. Já morremos tanto nos últimos tempos que podemos enfim praticar uma série simples de atos inocentes. Não temos que salvar as pessoas. Ouvimos suas histórias. Distribuímos calor e frio.
Mas, se eu estivesse em silêncio com você agora, tudo não seria mais que um solo de guitarra. Sonhamos grande ou eles é que sonham pouco? Em todo caso, vamos cantar Belle & Sebastian.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Fazer de um jeito diferente tudo o que já foi.
Primeiro é brincar de máscaras.
Depois, perceber que o rosto que acreditávamos verdadeiro
Era uma máscara que quisemos usar e esquecemos.
Fernando Pessoa, básico. Clarice nas entrelinhas, sempre.
Podemos acreditar no que quisermos.
Podemos acreditar que éramos mais verdadeiros quando crianças.
Alguma coisa deu errado, o mundo, as pessoas,
a justiça dos homens e a da natureza.
Mas você está vivo. Fazer o quê? O tempo corre, olhares mais duros.
Não sei se quero viver de questões.
Não sei mais se vivo sem elas.
Onde repousar a cabeça?
Ainda muitas madrugadas de sonhos e tristezas, de amor e morte.
Um dia seremos práticos. Uma música agora, por favor.
Porque hoje eu cantei e até compus e até fui feliz. Mas custou uma lágrima.
Os músculos pediam expansão como num encontro entre amantes,
O que eu queria era não fazer nada o dia inteiro com você. Qualquer música assim.
Sim, enfim alguma verdade razoável que me tira das missóes, dos projetos, mesmo dos sonhos.
Enfim, uma realidade.
Duvidosa: será que a oportunidade que perdi era o grande sonho?
E o mar? Direi a ele que anda duro ser livre. Ser livro, então...
Sobra tempo para pensar: você é amado, enfim? Quanto como onde quando.
Questões para o momentos de vazio, mais vale um desespero inocente.
Será que eu quero alguma coisa ainda na vida, além desse riso?
O que o mundo quer me mostrar?
O que mais seus olhos podem conceber?
Fui eu que criei toda esta fantasia?

:D

"Quando somos muito fortes - quem recua? muito alegres - quem cai no ridículo? Quando somos muito maus, - que se faria de nós?
Enfeitai-vos, ride, dançai. JAmais poderei jogar o Amor pela janela."

"Minha companheira, mendiga, criança monstruosa! pouco te importam essas pobres mulheres e suas manobras, e os meus embaraços. Junta-te a nós com tua voz impossível, tua voz! único lisongeio deste vil desespero."

Frases - Iluminações - Rimbaud

HÁ O MUNDO AINDA

Tem que ser doce. Tem que ser coca-cola.
Mas o que dizem as estrelas?
Você vestiu todas as ilusões da lua,
como ela, está seco para o choro.
Crateras que você não põe no poema com o nome de dor.
Há que ser como um livro de viagens.
Há que se respirar no trânsito.
Desde quando sou esta pedra fria que ouve as histórias de fogo nesses olhos?
Eu os vi, reconheci as dores que perdi e as que nunca terei.
Inventamos histórias de almas, melodias.
É doce. Tem que.
Há também o lado das sombras.
Diferenças, incertezas, inseguranças,
ciúmes, apatia, dúvida, euforia, angústia.
Espera. Escolher entre bom e mau, espontâneo e medido.
Cada um com sua vida, em comum uma aventura.
- O que mais? - eu rezo a não sei quem para saber.
Será verdade. Sonho, dôo de saudades. Amor. Eu sinto você desde antes do mundo.
Se é para usar as palavras grandes, usemo-las todas, sem distinção nem caráter.
Escolha nova cidade, novo amor,
quem sabe lar, quem sabe quem,
estudar para saber, fazer, expressar,
deixar para a eternidade o registro de umas vidas.
Espero que me soprem sempre as palavras certas com amor,
Mas às vezes quero as ordens de um pai para recusar.
- A rebeldia será sempre o meu frisson.
E o sexo? Haverá tanto, a descoberta incessante de todas as portas e janelas.
Que bicho você será dessa vez, marinheiro?
Abençoadas sejam nossas presenças no zoológico cosmopolita.
É preciso conhecer um mundo.
É preciso correr, sobreviver,
afundar-se na onda de novos mergulhos, viagens, a que chamaremos loucura, revelação,
palha e agulha.
É preciso rir.
É uma paixão que convida, uma curiosidade que espeta, uma razão que comanda,
uma entrega do prazer ao destino. Radical, rebelde, lúcido e confuso.
Iluminado e sombrio.
Acho que já me acostumei a carregar um certo peso,
às vezes minha preguiça dirige sozinha a minha vida.
Mas estarei onde me chama o prazer, o mistério, a arte.
Não quero promessas, quero o desejo que há no corpo,
a escolha do razoável,
a redenção de todas as saudades,
de todo mundo neste Brasil tanto,
que hei de circular para não perder os laços.
Há o mundo ainda.
Há o mundo ainda.
E todos virão para a festa da grande alegria,
em meu lar,
sob o olhar ciente dos gatos. Tantos.
Silêncios agora.
Incrível como a música é sempre outra.
Guarde bem todas as chaves. Seja triste por um minuto.
Assim não se desaprende de amar.
Se não der certo, a gente faz uma banda.