sexta-feira, 15 de maio de 2009

Norwegian Wood - Haruki Murakami e Beatles

Levei quatro anos para terminar de ler Norwegian Wood, romance aclamado por crítica e público, obra do escritor japonês Haruki Murakami. Tinha parado num trecho que refletia minha próprias angústias com a juventude. A leitura e fácil e fluída. A complexidade das relações é que embrutece ou faz viver.

A história é narrada por Toru Watanabe, dos dezessete anos aos vinte e poucos, desde 1968, quando chega em Tóquio para estudar teatro numa universidade. Mas o que dá base à história de experimentação numa megalópole nos anos sessenta são as relações prévias que Toru tinha com seu melhor amigo suicida e a namorada deste, Naoko, que entra em processo de degeneração constante desde a morte de seu amor adolescente, e com quem Toru vai desenvolver um laço tenso entre o carnal - a busca de um desejo possível no instante presente - e o espiritual - a busca de identidade e alteridade.

Publicado originalmente em 1987, este livro é uma interessante reverberação das pulsões beatniks, com seus ambientes jazzísticos, a presença dos silêncios orientais pontuando as conversas sobre música, arte, amor, as cartas para pessoas distantes, além de expressar a universalidade do despertar, este "estar atento e ter de escolher" entre tantos caminhos de corpo e alma - a escolha difícil entre o prazer inédito, atual, e o que a lucidez ordena com pitadas de lembranças.

Os detalhes sexuais, mais que descrições cruas, são envolventes e imprimem ao texto uma densidade plausível, que dosa bem o turbilhão de angústias, dúvidas, medos, festas, sonhos, lugares e pessoas de mundos desconhecidos e vagamente familiares.

Este livro tem cheiro daqueles clássicos de voz única. A quase estúpida placidez de Toru, bem como sua resignada melancolia, servem de apoio para que transitemos como pluma pelo belo e trágico final da década de sessenta. Sem morrer em nenhuma praia, nenhuma tribo.

Um momento luminoso se passa quando Toru sai para jantar com Nagasawa, seu amigo rico e garanhão, e com Hatsumi, namorada deste amigo e uma das muitas personagens fugazes que fazem sua aparição, brilham e fenecem, marcando para sempre Toru, que expressa uma boa frase para resumir a história: [o sentimento que ela me provocava] era algo como uma aspiração infantil que nunca havia sido saciada, e que jamais o seria.

***

Aqui tem o vídeo da música dos Beatles que dá nome ao livro. Abaixo do vídeo, a letra. Preste atenção na mistura de rock e cítara, uma das primeiras sínteses entre oriente e ocidente na cultura pop, resultado do encontro entre George Harrison e Ravi Shankar.

Norwegian Wood é do álbum Rubber Soul, de 1965, cheio de canções de amor quase desencantadas, mais sombrias, em comparação a sucessos anteriores dos Beatles, como Love me do e I want to hold your hand.


I once had a girl, or should I say, she once had me...
She showed me her room, isn't it good, norwegian wood?*
She asked me to stay and she told me to sit anywhere,
So I looked around and I noticed there wasn't a chair.
I sat on a rug, biding my time, drinking her wine,
We talked until two and then she said, "It's time for bed"
She told me she worked in the morning and started to laugh.
I told her I didn't and crawled off to sleep in the bath
And when I awoke, I was alone, this bird had flown
So I lit a fire, isn't it good, norwegian wood.
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*Norwegian Wood é um tipo de madeira nobre para fazer móveis, artigo de luxo estrangeiro desejado pelos pobres com móvei de pinho.


...a trip...

Foto de Jack Kerouac, "quem quero ser agora",
tirada pelo Allen Ginsberg, em 1953,
época de grandes trips para essa turma

Meço o que há de errado em minha vida pelos pensamentos errados que tenho sobre o amor. Entenda-se errado como autodestrutivo.

Sou um palhaço torto e careca ou um galã sempre pronto para o sexo? Desejo estar no fio da meada.

Ando assumindo que sei menos sobre mim do que sabia. Não me enxergo com a mesma frequência de antes e quando o faço, sou cruel. Ou era. Mas ainda me acho feio e magro e branquelo e velho e pesado. E viciado em cigarros.

A juventude me anima e depois me cansa. A velhice dá esperança e depois o mesmo. Ando muito cansado de quem tentei ser e não consegui.

E lembro de todas as paixões recusadas por algum trauma oculto, digno do cu; paixões platônicas dessas de idealizar no outro aquilo que não se tem coragem de viver. E me sinto fraco e preciso treinar meu corpo para treinar a mente. "Corpo são e mente sã". Novamente o ideal grego da felicidade. Falta a praia.

Numa dessas noites, numa dessas pessoas vejo a juventude despreocupada, repleta de possibilidades, aberta e livre. Vejo a beleza da naturalidade. Vejo o ingênuo jogo de esconde-esconde onde sou eu quem mais se esconde e é o outro quem mais revela.

Queria chorar por nunca ter tido vinte anos de fato. Porque sei que conquistarei o que me faltou, mas com lucidez e cansaço. Sorrio entretanto - sei que é difícil para todo mundo que eu gosto.

Tem noites como esta que eu queria morrer só um pouquinho, durante alguns meses, só para me tornar mais forte, em conexão com os sonhos, em desconfiança com a realidade, no esquecimento do que me atormenta hoje. Porque "há sempre alguma coisa de ausente que atormenta." (Camille Claudel) O outro não me amará com desejo. Ou seria descrença minha? "Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças." (Fernando Pessoa)

Penso nesse outro com pele morena, plexo solar aberto, sorriso ingênuo e olhar caloroso, pronto para a vida, sem julgamentos, dando-se ao prazer com arte e perícia, amando cada vez mais e melhor. Esquecendo-me em meu canto escuro, em meu limbo ilusório. Queria que o outro me olhasse de fato. Talvez olhe e me veja feio como me sinto na metade do tempo. Queria ser alegre o suficiente para amar. Eu queria me amar para ser alegre o suficiente. Não quero amar este Alexandre. Tenho que mudar! Tenho que partir para o desconhecido, para a revolução de costumes, para a graça lisongeira da beleza natural. Prefiro sentir esta angústia do que o tédio.

(De uma certa forma me contenta saber que cheguei aqui sozinho, na paciência de depurar no tempo as coisas sem nome, mas óbvias. Escrever verdadeiramente vem da força de querer enfrentar uma angústia noturna. Escrevo também para absolver-me de alguma culpa.)

O outro é a árvore de frente para varanda de casa: abaixo da altura de meus olhos, mas, ainda assim, de um mistéio inacessível. Quando o outro ri de mim é a natureza que ri de mim. Quando rio na cara do outro é a sociedade rindo da natureza. Preciso fazer mais gostoso... Não digo que eu queira viver a vida de pau duro, nem na ilusão do êxtase, mas tenho direito, ao menos, a um estado de proeminência de todas as aventuras.

Agora caço dinheiro, amor, estudo, aprendizado, paz, abertura, sexo despreocupado e intenso. Sou mais um. Mas sou muitos, e quero cada uma de minhas vidas como uma possibilidade quase palpável nos horizontes. Sim, sou mais um.

Quero saber fazer novamente belos versos de amor, desses que só sorriem.

Voa pássaro mutante da praça central. Leva o meu canto. Adormeça antes do sol raiar. Se aqueça nos cantos seus e dos galhos, enquanto a noite resfria.
Um duro caminhão passa pelo cruzamento, três andares abaixo, cachoalhando ferro. Foi-se. Novamente o milagre do pássaro a cantar. Acho que estou conseguindo. Digo: ser feliz. Besta e prontamente. Estar vivo no prazer de fluir, sem acomodar-se a nenhum pensamento, nenhuma ruga, respirando para libertar-se de tantos estado de alerta. Flutuar. Dormir. Acordar. Dançar. Cutucar o instante. Aprontar, agir, desarmar, esquecer. Esquecer-se no outro, no corpo amante, suficiente, equilibrado. Lembrar-me de mim o tempo todo para conquistar o direito de não ser mais ninguém.

sábado, 9 de maio de 2009

Lixo na Virada Cultural

Pior que sentir o lixo e o caos durante a última Virada Cultural, é ver pacotes inteiros de folhetos de divulgação do evento abandonados num canto qualquer da praça da República.


Parceria

Há dez anos ou mais, eu e a Cláudia (http://inkuts.blogspot.com/), amiga de alma e arte, brincamos seriamente de fazer uns trabalhos em conjunto, um mix de desenho e poesia. Ela começou desenhando; usou algumas de suas múltiplas armas expressivas para dar luz a certas urgências do inconsciente, e eu tentei registrar as palavras que as musas sugeriram a partir dos desenhos. Até deu orgulho ver o que fizemos aos 19, 20 anos.... Ei-los:


Eu, que fui tão somente um giro de sol.....
de talões desnudos, transpus campos de coroas de cristo;
e um passo adiante, pisoteando bolas de algodão em flor,
criei barbas ruivas nas solas sangrentas....
no meio das mil dunas, tomei da ampulheta apenas,
tornando-me também um senhor do tempo ao fiar linha arenosa
por minha laringe tal couro esticada.... trespassei fantasmas moluscais com lâminas de prata,
incandescentes. Passantes, amantes; todos eles....
alentei, em mãos molhadas de oceano, meu umbigo febril,
convulsionado. Linhas frígidas sobre as lesmas de dor....
emaranhei os cachos da sereia, e vi que teia ainda é seda.
Nas caudas limbosas dos tritões, esfreguei o breu,
até que o atrito se fizesse um sustenido....
nos olhos fui gotejado de saliva cancerosa. Espessa,
rompendo camadas do céu. Sempre fui um cego....
enroscando nas próprias lãs, cocei o queixo num pêssego caído.
As manchas da queda eram úmidas como olhos vazados....
sufoquei a fome com asas de borboleta. tantas quantas pude encontrar....
tive o rosto a borbulhar, passivo a ventos devassos;
e, escondendo-me sete palmos abaixo das águas,
vi o sol correr de novo de um fim a outro enquanto esperava.
Eu, que soube de cada cicatriz da Natureza,
até a chegada da noite, com as falanges trêmulas,
vesti de pergaminhos as mamilas de alguém.


Se há de haver uma gota, se for uma gota,
que role então - acanhada pêra às pressas colhida -
de pêlo a pêlo rastreando tatos em abandono.
De pêlo a pêlo a alegoria de mineiros caindo em séquito.
- Que caia negra.Que seja negra e negros sejamos nós.
Se há de haver o artista da multidão,
que crie então - deliberado e conciso, de olhos trêmulos -
de nuca a nuca edifique um frontispício.
De fronte a fronte - as frescas, as cansadas, as machucadas, as aureoladas.
Que crie e tão somente crie. Criar ainda é movimento.
E frágeis de veias a estourar, que sejamos nós
sua obra de arestas mal polidas, inacabadas.
Ainda se arde na terra - calvário luxuoso de nossas torres.
Ainda a terra arde, e com ela nossos tendões - seda dos pés-calcário.
A sombra ainda alenta e tão lenta passa erigindo novos mapas
sobre nós, sobre os convites entregues, sobre o dia. Sobre a terra.
E no fim , refaz sua paz com a lua, seja esta a meretriz.
À noite, a sombra faz as pazes com a lua - fazem seu entoar
de ninar sobre a pele que dissimula os olhares da seda.
Que sejamos para o sol só o que se vê. Só o que se vê.
Como sempre, que sejamos mineiros caídos em diamantes de arestas e brilho primatas -
Feito o sol para a antiguidade.
Para os sequazes os olhos do dia, que sejamos apenas um detalhe.
E para o resto do tempo, que sejamos o resto de nós.