domingo, 31 de janeiro de 2010

Esfinge

Eu sou seu outro sem nome. Se você vir em mim o deserto, é deserto que devolverei no olhar quente demais, frio demais. Se você tiver medo, eu parecerei indomado; se tiver desejo, eu só devolvo desejo. Se oferecer um beijo sincero, eu devolvo mais que sinceridade, eu dou a verdade. Se você fugir, é porque eu fugi antes. Quero estar com quem saiba atravessar a noite e alcançar a manhã com alegria e celebração, com o prazer constante que nao morre na espera de momentos breves de êxtase e nao se ressente dos momentos breves de sombra, dúvida e tristeza. Eu sou aquele que saberei amar olhos amavéis, ardentes, delicados e vulneráveis. Eu saberei amar a boca que se cala quando a atração dos corpos é simples. Eu sou aquilo que existe entre a razão deste dia e a ilusão daquela noite.

para lembrar


segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

O Espelho no Escuro - 1

ILUSÃO

Você até pode se iludir se quiser, se souber que há um depois, sabe como é. Sabendo, tudo vai. É um plus, já que controle total é impossível. É preciso saber que o prazer não é assim tão grato, que a saúde pede uma urgência que dá trabalho ao senso de realidade, que a carne é fraca mesmo. Nosso lado vulnerável agradece. Alguma coisa a natureza tinha que fazer contra a arrogância de nossas palavras. Há que se fortalecer por meio de exercícios físicos para aguçar os sentidos e manter-se sempre urgente e sereno ao mesmo tempo, o que nos permite sempre estar atento ao equilíbrio entre a depressão e a euforia. Com a respiração no lugar, o choro e o riso vem mais fácil, e nos desentorpecemos melhor dos tantos aditivos que fazem nossa vida diária, comum. O cotidiano é uma festa que cansa. É preciso acreditar na festa e saber retirar-se na hora certa, e com um sono sem culpa. A culpa também é uma ilusão. Nenhuma memória vale a fantasia do presente, pois toda memória só nos fala deste mesmo presente, afinal, e todo ressentimento é um convite a uma mudança num gesto simples. Triste e pior é saber que fazendo esforço demais para apagar as lembranças ruins até conseguimos criar mecanismos de bloqueio, mas nem sempre temos essa máquina tão afinada, e ela às vezes apaga também as lembranças boas que nos ajudam a construir o sonho na dura realidade. Nesse caso, há que se chorar tudo, até o que não foi, e por isso mesmo. A lembrança das ilusões incumpridas, dos desejos abortados, nos ensina a ter mais medida entre ilusão e realidade e, no limite, podemos vislumbrar que qualquer realidade também parece vã, aérea, asbtrata. Quem ultrapassou esse passo é porque já viu a morte, esta coisa que os homens ainda não decidiram se é real ou ilusória. A perspectiva ambígua da morte nos ensina a viver a ilusão sabendo que é boa, criativa, e sabendo que é nada, só aquele momento de vazio quando o coração para e prefere doer. Por isso respira-se. Assim e pronto, uma ilusão e uma desilusão, na mesma inspiração (física e poética). Não é à toa que os mitos associam a ilusão ao elemento ar. E não nos isentemos da verdade nas linhas finais: a ilusão também é fruto da razão. As faculdades aéreas, por sua própria natureza, se confundem. Na dúvida, um chocolate e um copo d'água.