segunda-feira, 24 de outubro de 2011

33

Meu corpo aqui, eu ouço
No prazer do corpo que escorre para o desejo, no imaginar das mãos para o céu
Peço ao céu de amanhã para que eu seja música
Pouco resta além da expressão do novo amor, o antigo
A lágrima que não tem nome, a água que o coração engole antes dos olhos
Meus olhos lhe vêem dentro de mim como água cor de nada, cordilheira
Imagino em seus olhos a beleza serena da manhã altíssima como se você fosse a vida
E você é este mais aquele ali e ainda um pobre miserável
E sou uma criança tola que só vê verdade no belo, e tudo é belo quando me escapa
Sou mesmo dessas crianças que conheceram um dia a justiça ambígua da fome

Cansa sorrir o desespero, o riso é de luta, mas se pode lutar no suave da brisa que nem ri
Aproveito o tempo da felicidade para nem dizer o quanto sou feliz
No oposto, a suspeita difusa da morte, o avesso dos deuses num fio de baba
Mas eu creio: fora a força da gravidade, estou no céu, tenho meu canto de universo
E sinto a violência da esperança abrir entre os órgãos as dores guardadas no esquecimento
Estrelas? Na dúvida, a saída é dançar pelas ruas, mesmo em fuga

Sou pirata das línguas que se enrolam em paz
Porque é uma guerra ser pacífico, e ainda estamos na idade dos paradoxos
E as fadas ainda correm pelos bosques em louvor de alguma nave mãe alienígena na calada da noite
Tudo ainda é mito e delírio
Como o inferno do outro que lhe deixou e a quem você culpa pela solidão
Queremos ser crianças sob o sol ou outra luz artificial mas tememos ser crianças no escuro

Eu sou seu medo, a vergonha de se deixar invadir pelo amor
Onde? Nunca. Está dito há muito, o amor é o que se faz com o que sobra
E quando a gente se amar de verdade, cabendo nos limites do mundo, mesmo esqueceremos de porque
Porque termos tido tanta gana de repetir a tal palavra amor, palavra qualquer

Por ora, o trabalho, dirão os incansáveis, as horas
A espera da novidade repetida, a expectativa de uma resposta, a inquietude da pergunta
Quando muito o que se tem mistura-se numa canção
Ai de mim ser apenas humano, uma taxa, prefiro ser um canal sem nome ou preço
E se existe o inverso do universo, lá estou também
Agora, porém, na avenida mais próxima rasga persistente e uniforme o som do asfalto
Chuvoso e seco como um mantra indiano, meu brasil de todos os mundos
Ah tolos nacionalismos, ismo ismo ismo ismo ígnea vontade de mamar nas tetas

Somos escravos e estrangeiros da pobreza e da riqueza
Somos a bola que nossa garganta não engole mais, antes, durante ou depois do jogo
Somos a poesia cansada, somos aqueles que não sabem se amam ou se odeiam
Somos o silêncio ridículo do respeito e a infâmia maldita do fio de faca numa língua
E eu que me achava livre na hora do prazer e na impaciência do desterro
E você que se acha mais ou menos que eu não é outra coisa senão a desmedida
E o que lhe toca ou não em mim é problema seu
Não quero sua luz nem sua ignorância, você é muito pouco para ser tão bom ou ruim

Posso usar a retórica da falsa modéstia e emitir: sou um idiota
Posso gemer baixinho como passarinho perdido: sou uma inteligência que nem consegue se sustentar
Confissão é o pobre ritual de quem tem vergonha, de quem é alguém
Queremos cúmplices em nossos vícios superiores
Enquanto não nos beijam a alma até sugar a paixão que não temos mais

Eu espero a flor da carne
Com paciência, vomito na cara de quem sente tédio de ter de pensar para sobreviver
Invalido a verdade da carne num jato de gozo que liquida as dívidas
Sou aquele ninguém cujo nome jamais se diz e que é lembrado num coração sem fundo
Sou só um copo d'água quando o que se quer é o sangue
Você que me escuta para se ouvir em dúvida é o meu próximo beijo e o último selo a decretar o fim

Viva e morra
Se der, passe um instantezinho com quem chegou e partiu
Não mexo mais os dedos esta noite
Sonharei, em vã promessa, no dia em que nos conheceremos na verdade de um prazer único
Quando nem precisaremos observar o fim de tudo nos olhos do outro numa praia a meio sol
Pois que seremos também um copo d´água já meio salgada, engolida pelo ventre da terra agridoce
Ninguém chora na hora da morte

sábado, 23 de julho de 2011

luz de fogo



um canto aos que morrem jovens

Eu choro até por quem me traiu
Eu traio meu próprio conceito
Eu xingo até quem já me pariu
Eu rodo o pé no que ninguém conseguiu

Intenso
Mesmo que um instante valha o resto da vida
Não quero o resto, quero a vida
Me acabo no pouco que ela me dá
Quero todas as vozes
Todas as pazes
Cada uma de suas fases
Amanheço no desejo e anoiteço num sorriso
Rejuvenesço enquanto latejo
Aconteço num canto incisivo

O resto é treino para a guerra
Rezo atrás do reino da grana certa
A peste é ponto para a terra
O caos natural é a única oferta

Intenso
Mesmo que o encanto falhe o teste da vida
Não quero protesto, cara comprida
Quero todas as vozes
Mesmo as atrozes,
Cada uma de suas poses
Amanheço no desejo e anoiteço num sorriso
Envelheço num quadro que não vejo
Aconteço enquanto brado o paraíso

sexta-feira, 24 de junho de 2011

ENTRE AS MARGENS



Arrogantes os cultos, orgulhosos os incultos.
Indiferentes os ricos, invejosos os pobres.
Entediados os experientes, eufóricos os inocentes.
Uns iluminados demais pela razão, outros cegos demais pelo instinto.
Uns só lembram ressentimentos, outros esquecem como sentir.
Uns vão aos extremos, outros a lugar nenhum.

Eu quero ser todos de mentira e nenhum de verdade.

Uns vaidosos por amarem quem os ama,
Outros se inferiorizam por não serem correspondidos.
Os mesmos que se compadecem dos desemparados,
Adulam os que julgam serem mais afortunados.
Individualistas humanitários, coletivistas autoritários.

Na guerra dos extremos, até os santos são guerreiros.

O que escarnece o outro, se vitimiza para o espelho.
O que vê tudo com malícia, teme sozinho a morte do amor.
O que proclama a liberdade, espera ansioso o dia seguinte.
Ambiciosos cheios de amigos, sábios que se exilam do mundo.
O que transa para não pensar, o que pensa para não transar.

Entre os extremos do riso e do choro, todo mundo é invisível na multidão.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Olhos Gordos

Criança, crescer às vezes é algo que acontece quando murcharmos diante dos olhos gordos de quem inibe tua dança tola. Pois todo mundo quer ser livre, mas tem gente que já desistiu, quem sabe achando que existe uma liberdade pronta, quando talvez ser livre seja apenas tentar ser livre. O certo é que quem já desistiu acaba se arrastando como erva parasita sobre uma árvore presa na terra, mas tranquila para ter a coragem de dobrar um choro ao vento que rejuvenesça as folhas.
Os olhos gordos são gordos, e rígido o corpo que os sustenta, pois seu esforço é de virarem-se todos para fora, tentando entender o que o outro lá fora tem de tão poderoso, sem crer que o poder de todos é um só, a ser desenvolvido ou não, que não existem diferenças interiores essenciais, e que, portanto, basta olhar pra dentro e achar seu próprio jeito de fazer as coisas belas. Sim, os olhos gordos só vêem aparências, mesmo quando falam de ideias, só vêem as aparências das ideias, por isso amam frases de efeito, ansiosos de serem amados pelo que emitem e não pelo que comunicam. 
Tanto os olhos gordos só vêem aparências, como se estas fossem sólidas e eternas, que quando forjam alegria, são só caricaturas de sorrisos que um dia invejaram. Não sabem que os sorrisos começam nos olhos e não nas presas. Assim, o riso do invejoso é sempre mais esgarçado, em contraste com seus olhos tristes e gordos. Os olhos gordos, que tudo vêem e tudo sabem melhor que os outros, não conseguem ver que um belo sorriso é o ato de assumir que nos reconhecemos num desejo tolo do outro, que somos todos iguais e belos perante o desejo, afinal, alguém de olhos gordos não é alguém que inveja, mas alguém que não assume sua inveja, e tenta se esconder num corpo tão rijo quanto seus olhos vidrados. Os olhos gordos não entendem que a beleza está no movimento e não na forma, está no movimento de buscarmos incessantemente o conforto de um novo modo de ser, necessariamente provisório. Mas os olhos gordos vivem de ideias fixas, começando por uma imagem fixa de seu eu e, pior que isso, não sabem que o eu é sempre uma ilusão, uma brincadeira que não se deve levar a sério. Não acreditam que beleza é liberdade de movimento, e que ser livre, para voltar ao assunto, é mudar, e que mudar é se deixar morrer na coragem de assumir a escuridão da própria ignorância. Os olhos gordos brilham vidrados para não revelarem a escuridão de seu desejo inconfessável. Os invejosos se comprazem em destruir aquilo que não suportam desejar, por isso adoram ressaltar os defeitos nas pessoas e coisas que no fundo acham belas. A beleza, que é a tolice de ser, dói no peito do invejoso que não se abre à sua própria tolice. Prefere escarnecer por meio de uma ingênua malícia - ingênua pois acredita que destruir é a forma mais refinada de inteligência.
Pois não se esqueça, criança, exige muito mais inteligência crescer e permanecer verdadeiramente ingênuo, na coragem espontânea de encarar a incerteza suprema do desconhecido que anima o curioso e desanima o que tudo sabe. Fausto era o falso sábio que invejava a espontaneidade da juventude. Todos somos crianças, se quisermos.
Os olhos gordos não entendem a loucura da liberdade de se orgulhar modestamente em ser imperfeito; não entendem que somos belos quando assumimos o que temos de torto, pois é isto "ser você mesmo", e quem "se é", por debaixo das máscaras sociais, é sempre uma pessoa atraente. Quando os invejosos resolvem ser loucos, são sempre incoerentes, não entendem que ser louco não é ser "louquinho" na sofisticação do non-sense que se se pretende espontâneo, mas sim guiar-se pela lógica incorruptível da natureza. Da mesma forma, o invejoso julga inteligente o ato adolescente de se autoafirmar através da negação sarcástica do outro que mais cativa seus olhos gordos. Os olhos gordos não sabem se autoafirmar na solidão, assim como só quem tem coragem de ser só sabe ser livre para amar sem esperar que preencha seu vazio. Isto sim é que é ser louco.
Os olhos gordos, quando muito embotados por um desejo forte, são obrigados a assumir a própria inveja e confundem esta com amor. Caem no truque confortável de achar que amam aquilo que invejam. Não é toa que os invejosos só se apaixonam por quem acreditam serem superiores e só aceitam namorar quem podem controlar com a superioridade de seu ego frágil. Afinal, como se diz, como amar o de fora se não se ama o de dentro? Como amar sem se amar? O invejoso nunca se rende a verdades tolas e simples e misteriosas como essas, pois para ele toda tolice é obscura como a ideia exterior de "eu" que sustenta, disfarçando a inveja com egocentrismo. Basta ver que o invejoso não é carinhoso, é adulador; não gosta de receber um amor que enxerga mesmo que duramente, prefere ser adulado, mimado; não sabe falar de igual pra igual, mas só no contexto de uma hierarquia.
Nessa inversão de valores que os olhos gordos fazem em sua relação deturpada entre o dentro e fora, acabam também por sentir prazer só na dor, amor só no ódio, criatividade só na destruição, mesmo que nos pequenos gestos quase invisíveis.
É fácil reconhecer um invejoso, a menos que você também tenha olhos gordos. Olhos gordos sempre acabam por pesar e fazer a cabeça baixar, peso que também exige esforço exagerado de erguer-se com superioridade afetada, mas, sobretudo, baixam um momento ou outro, diante da imagem radiante da única felicidade possível: a felicidade leve e provisória, como as asas de uma borboleta que vive apenas dois dias e cujo voo é louco, cuja beleza é tão exuberante quanto inútil, tão urgente quanto despropositada de intenções humanas.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Estrangeiro



Na cidade dos milagres concretos,
Prédios de pedra erguem-se ao céu tal foguetes abortados.
E nada há que consagre por completo
Um remédio contra o tédio dos banquetes e bailados.

Onde vão seus pares agora, estrangeiro,
Depois que tomou por fama todos os prazeres?
Só lhe resta esses ares de carniceiro,
E pra comer a fome que sobrou não tem talheres.

Volte para onde finda seu lar,
Esqueça que cuspiu no prato que te dei;
Se revolte pelo que ainda tem de dar,
Já que é difícil ser grato, eu bem sei.

Quem te acredita agora além de um cego
Que se enrola na malha perdida da beleza ultrapassada?
Quando for embora deixe que me encarrego
De tirar da mesa a migalha de tua última risada.

Não ligo de recolher outra vez tua sujeira;
Já visitei o inferno da dor que você tem.
Nem digo dos inimigos que fez por coisas rasteiras;
Enfermo, voltei com olhos de amor que teus olhos não vêem.

Pare de seduzir em nome do amor aos pobres,
Tentando se amar ao amar quem dói mais que você.
Aprenda a ser feliz sozinho com teus sentimentos nobres,
Pois quem conhece a rua não quer a arte do teu buquê.

Só quem vive de culpa e inveja precisa chorar a pobreza,
E por esse discurso de horrível caridade torce.
Mas quem sorri cúmplice ao mendigo a humana grandeza,
Ri do teu riso que a cárie doída do orgulho ferido distorce.

Saia bradando: "olha a música que me fizeram cheia de elipses".
Corra para encontrar a linha simples entre o céu e o mar nessas ruas,
Então verá que é por irmandade que te conto o apocalipse,
E amargará a inocência perdida em línguas que não eram tuas.

Hoje as ruas estão belas no olhar vadio que me crio.
Sou um, sou todo cheiro, sou qualquer caminho;
Sinto até um arrepio de gozo ligeiro no ar frio,
Pois já aprendi, estrangeiro, já aprendi a ser sozinho.

terça-feira, 3 de maio de 2011

REAÇÕES PSICÓTICAS, Lester Bangs

Lester Bangs é considerado o maior crítico de rock de todos os tempos. Porque não critica apenas tecnicamente as músicas, ele é um próprio guru cultural e verdadeiro poeta. Deixo esse trecho de um artigo seu, sobre o álbum Astral Weeks, do irlandês Van Morrison, para todos meus amigos "artistas" que defendem as causas dos pobres e oprimidos:



"Você pode dizer ao amor as perguntas que você tem para amar as pessoas que aceleram o fim do amor que é amado para amar a terrível desigualdade da experiência humana que ama dizer que estamos por cima disso tudo que perdeu aquele amor para amar o amor que a liberdade poderia ter sido, o trem para a liberdade, mas nós acabamos nunca embarcando, preferimos vagar generosamente fugindo daqueles que são vítimas de si mesmos. Mas quem pode dizer que aquele que se vitimiza não tem o direito àquela compaixão absoluta provocada pelo mais miserável órfãozinho do Terceiro Mundo num anúncio em uma revista do tipo The New Yorker? Bah, melhor passar por cima dos corpos, ao menos isso lhes dá o respeito que um dia eles teriam merecido. Onde eu vivo, em Nova York (sem querer fazer disso mais do que é, o que é difícil), todo mundo que eu conheço costuma passar por cima de corpos que bem poderiam estar mortos ou então morrendo, sem dor. E eu me pergunto com qual lógica foi originalmente concebida a ideia de que tal ação significa demonstrar aos refugos humanos o respeito supremo que eles merecem. (...) Se você aceita, por um momento que seja, a ideia de que cada vida humana é tão delicada e preciosa como um floco de neve e aí encara um bebum na saída de um bar, você vai ter que penar e se transformar em uma esponja que suga os problemas de todos os outros babacas, e assim estabelecer os limites apropriados. Você pára de sentir. Mas sabe que é aí que começa a morrer. Então você briga consigo mesmo. Quanto deste horror eu consigo realmente me permitir pensar a respeito? (...) A consciência de estar vivo tem justamente a ver com essa depressão e a exaltação e o insuportável e o tão-almejado. Por favor, volte e me deixe em paz sozinho. Porque quando estamos solitários, mas acompanhados, podemos falar o quanto for sobre essa universalidade  desse abismo: não faz a mínima diferença, o superior só vai ao encontro do inferior por socorro, UNICEF para os parentes, e aí você coça e cospe em violenta resignação ao fato consumado de não haver absolutamente nada que você possa fazer a não ser rejeitar finalmente qualquer um que sofra mais do que você. Numa hora dessas, oferecer um novo respiro é traição. Taí porque você deixa de lado suas causas liberais, larga a humanidade sofredora a morrer em condições ainda piores das de antes de você aparecer em suas vidas. Você despertou as esperanças deles. O que lhe faz ainda mais vil que a imundíce mais escrofulosa. (...) Porque você cometeu o crime do conhecimento e, assim, não apenas passou de lado ou por cima de alguém que você sabia estar sofrendo, mas também violou sua privacidade, a última posse dos despossuídos."

quinta-feira, 21 de abril de 2011

o silêncio dos sábios no deserto

Eu gostaria de conhecer a sombra dos sábios no deserto. Pois existe uma grande confusão: ninguém é puro de coração. Os sábios são diplomatas das boas palavras, mas seu inferno está lá, como o nosso. E diante de tanta sabedoria a gente sai correndo de medo da nossa fraqueza,  se sustenta na certeza do prazer que foge o tempo todo. A gente se sustenta em alguma ilusão de beleza que contente o coração na hora negra para que possamos sorrir as prêsas competindo com a ilusão de felicidade do outro. Por isso a tentativa do amor romântico é sempre uma nostalgia de inocência. E gente reclama da dor só pra doer mais. E se você tiver coragem, vai chegar com um sorriso nos lábios à questão fatal: viver pra quê? Para o instante, você é obrigado a descobrir por trás dos sonhos. E quando você não aguentar a mentira da verdade, vai correr atrás de um sexo mais verdadeiro que o amor, vai procurar uns olhos que te olhem sabendo o que um bicho procura por trás das palavras. Vai querer dormir no colo de outro corpo que reconheça no seu cada cicatriz de mal querer. Quanto a mim, estou achando lindo o silêncio do tesão que arde imóvel, sem sair do peito quente numa véspera de feriado.  

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

11

Quero depurar a quintessência da memória, ver as imagens do passado em silêncio, sem julgá-las, sem ser julgado por elas. Assumo o controle para deixar a mudança tomar conta de mim. Tome conta de mim. Meu corpo fala na noite quieta. Amanhã será o talvez do meu sonho. O que não digo entre uma frase e outra é a decisão do esquecimento. Só colho frases que me vêm numa respiração sem esforço, que engole toda falta, tédio, toda ansiedade, excesso. Falo para mim que, em transformação, não sou ninguém. Sou entre a memória e o sonho, entre o erro e o ajuste. Talvez eu seja qualquer um e qualquer um possa me entender. Isto também é sonho. Saberá me entender quem sabe trabalhar com fome, sem nenhum outro julgamento senão o instinto de sobrevivência. Tenho que ser prático, objetivo. E haverá o dia em que esse rico mundo de versos subjetivos será um capítulo em testemunho da construção social de uma nova objetividade, baseada na aceitação do acaso e no bom proveito da sorte. Passou-se o tempo de medir o mundo. Chega de ser criança e achar que receberei de alguém maior uma explicação para tudo.