Lester Bangs é considerado o maior crítico de rock de todos os tempos. Porque não critica apenas tecnicamente as músicas, ele é um próprio guru cultural e verdadeiro poeta. Deixo esse trecho de um artigo seu, sobre o álbum Astral Weeks, do irlandês Van Morrison, para todos meus amigos "artistas" que defendem as causas dos pobres e oprimidos:
"Você pode dizer ao amor as perguntas que você tem para amar as pessoas que aceleram o fim do amor que é amado para amar a terrível desigualdade da experiência humana que ama dizer que estamos por cima disso tudo que perdeu aquele amor para amar o amor que a liberdade poderia ter sido, o trem para a liberdade, mas nós acabamos nunca embarcando, preferimos vagar generosamente fugindo daqueles que são vítimas de si mesmos. Mas quem pode dizer que aquele que se vitimiza não tem o direito àquela compaixão absoluta provocada pelo mais miserável órfãozinho do Terceiro Mundo num anúncio em uma revista do tipo The New Yorker? Bah, melhor passar por cima dos corpos, ao menos isso lhes dá o respeito que um dia eles teriam merecido. Onde eu vivo, em Nova York (sem querer fazer disso mais do que é, o que é difícil), todo mundo que eu conheço costuma passar por cima de corpos que bem poderiam estar mortos ou então morrendo, sem dor. E eu me pergunto com qual lógica foi originalmente concebida a ideia de que tal ação significa demonstrar aos refugos humanos o respeito supremo que eles merecem. (...) Se você aceita, por um momento que seja, a ideia de que cada vida humana é tão delicada e preciosa como um floco de neve e aí encara um bebum na saída de um bar, você vai ter que penar e se transformar em uma esponja que suga os problemas de todos os outros babacas, e assim estabelecer os limites apropriados. Você pára de sentir. Mas sabe que é aí que começa a morrer. Então você briga consigo mesmo. Quanto deste horror eu consigo realmente me permitir pensar a respeito? (...) A consciência de estar vivo tem justamente a ver com essa depressão e a exaltação e o insuportável e o tão-almejado. Por favor, volte e me deixe em paz sozinho. Porque quando estamos solitários, mas acompanhados, podemos falar o quanto for sobre essa universalidade desse abismo: não faz a mínima diferença, o superior só vai ao encontro do inferior por socorro, UNICEF para os parentes, e aí você coça e cospe em violenta resignação ao fato consumado de não haver absolutamente nada que você possa fazer a não ser rejeitar finalmente qualquer um que sofra mais do que você. Numa hora dessas, oferecer um novo respiro é traição. Taí porque você deixa de lado suas causas liberais, larga a humanidade sofredora a morrer em condições ainda piores das de antes de você aparecer em suas vidas. Você despertou as esperanças deles. O que lhe faz ainda mais vil que a imundíce mais escrofulosa. (...) Porque você cometeu o crime do conhecimento e, assim, não apenas passou de lado ou por cima de alguém que você sabia estar sofrendo, mas também violou sua privacidade, a última posse dos despossuídos."
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