quinta-feira, 5 de maio de 2011

Estrangeiro



Na cidade dos milagres concretos,
Prédios de pedra erguem-se ao céu tal foguetes abortados.
E nada há que consagre por completo
Um remédio contra o tédio dos banquetes e bailados.

Onde vão seus pares agora, estrangeiro,
Depois que tomou por fama todos os prazeres?
Só lhe resta esses ares de carniceiro,
E pra comer a fome que sobrou não tem talheres.

Volte para onde finda seu lar,
Esqueça que cuspiu no prato que te dei;
Se revolte pelo que ainda tem de dar,
Já que é difícil ser grato, eu bem sei.

Quem te acredita agora além de um cego
Que se enrola na malha perdida da beleza ultrapassada?
Quando for embora deixe que me encarrego
De tirar da mesa a migalha de tua última risada.

Não ligo de recolher outra vez tua sujeira;
Já visitei o inferno da dor que você tem.
Nem digo dos inimigos que fez por coisas rasteiras;
Enfermo, voltei com olhos de amor que teus olhos não vêem.

Pare de seduzir em nome do amor aos pobres,
Tentando se amar ao amar quem dói mais que você.
Aprenda a ser feliz sozinho com teus sentimentos nobres,
Pois quem conhece a rua não quer a arte do teu buquê.

Só quem vive de culpa e inveja precisa chorar a pobreza,
E por esse discurso de horrível caridade torce.
Mas quem sorri cúmplice ao mendigo a humana grandeza,
Ri do teu riso que a cárie doída do orgulho ferido distorce.

Saia bradando: "olha a música que me fizeram cheia de elipses".
Corra para encontrar a linha simples entre o céu e o mar nessas ruas,
Então verá que é por irmandade que te conto o apocalipse,
E amargará a inocência perdida em línguas que não eram tuas.

Hoje as ruas estão belas no olhar vadio que me crio.
Sou um, sou todo cheiro, sou qualquer caminho;
Sinto até um arrepio de gozo ligeiro no ar frio,
Pois já aprendi, estrangeiro, já aprendi a ser sozinho.

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