terça-feira, 14 de junho de 2011

Olhos Gordos

Criança, crescer às vezes é algo que acontece quando murcharmos diante dos olhos gordos de quem inibe tua dança tola. Pois todo mundo quer ser livre, mas tem gente que já desistiu, quem sabe achando que existe uma liberdade pronta, quando talvez ser livre seja apenas tentar ser livre. O certo é que quem já desistiu acaba se arrastando como erva parasita sobre uma árvore presa na terra, mas tranquila para ter a coragem de dobrar um choro ao vento que rejuvenesça as folhas.
Os olhos gordos são gordos, e rígido o corpo que os sustenta, pois seu esforço é de virarem-se todos para fora, tentando entender o que o outro lá fora tem de tão poderoso, sem crer que o poder de todos é um só, a ser desenvolvido ou não, que não existem diferenças interiores essenciais, e que, portanto, basta olhar pra dentro e achar seu próprio jeito de fazer as coisas belas. Sim, os olhos gordos só vêem aparências, mesmo quando falam de ideias, só vêem as aparências das ideias, por isso amam frases de efeito, ansiosos de serem amados pelo que emitem e não pelo que comunicam. 
Tanto os olhos gordos só vêem aparências, como se estas fossem sólidas e eternas, que quando forjam alegria, são só caricaturas de sorrisos que um dia invejaram. Não sabem que os sorrisos começam nos olhos e não nas presas. Assim, o riso do invejoso é sempre mais esgarçado, em contraste com seus olhos tristes e gordos. Os olhos gordos, que tudo vêem e tudo sabem melhor que os outros, não conseguem ver que um belo sorriso é o ato de assumir que nos reconhecemos num desejo tolo do outro, que somos todos iguais e belos perante o desejo, afinal, alguém de olhos gordos não é alguém que inveja, mas alguém que não assume sua inveja, e tenta se esconder num corpo tão rijo quanto seus olhos vidrados. Os olhos gordos não entendem que a beleza está no movimento e não na forma, está no movimento de buscarmos incessantemente o conforto de um novo modo de ser, necessariamente provisório. Mas os olhos gordos vivem de ideias fixas, começando por uma imagem fixa de seu eu e, pior que isso, não sabem que o eu é sempre uma ilusão, uma brincadeira que não se deve levar a sério. Não acreditam que beleza é liberdade de movimento, e que ser livre, para voltar ao assunto, é mudar, e que mudar é se deixar morrer na coragem de assumir a escuridão da própria ignorância. Os olhos gordos brilham vidrados para não revelarem a escuridão de seu desejo inconfessável. Os invejosos se comprazem em destruir aquilo que não suportam desejar, por isso adoram ressaltar os defeitos nas pessoas e coisas que no fundo acham belas. A beleza, que é a tolice de ser, dói no peito do invejoso que não se abre à sua própria tolice. Prefere escarnecer por meio de uma ingênua malícia - ingênua pois acredita que destruir é a forma mais refinada de inteligência.
Pois não se esqueça, criança, exige muito mais inteligência crescer e permanecer verdadeiramente ingênuo, na coragem espontânea de encarar a incerteza suprema do desconhecido que anima o curioso e desanima o que tudo sabe. Fausto era o falso sábio que invejava a espontaneidade da juventude. Todos somos crianças, se quisermos.
Os olhos gordos não entendem a loucura da liberdade de se orgulhar modestamente em ser imperfeito; não entendem que somos belos quando assumimos o que temos de torto, pois é isto "ser você mesmo", e quem "se é", por debaixo das máscaras sociais, é sempre uma pessoa atraente. Quando os invejosos resolvem ser loucos, são sempre incoerentes, não entendem que ser louco não é ser "louquinho" na sofisticação do non-sense que se se pretende espontâneo, mas sim guiar-se pela lógica incorruptível da natureza. Da mesma forma, o invejoso julga inteligente o ato adolescente de se autoafirmar através da negação sarcástica do outro que mais cativa seus olhos gordos. Os olhos gordos não sabem se autoafirmar na solidão, assim como só quem tem coragem de ser só sabe ser livre para amar sem esperar que preencha seu vazio. Isto sim é que é ser louco.
Os olhos gordos, quando muito embotados por um desejo forte, são obrigados a assumir a própria inveja e confundem esta com amor. Caem no truque confortável de achar que amam aquilo que invejam. Não é toa que os invejosos só se apaixonam por quem acreditam serem superiores e só aceitam namorar quem podem controlar com a superioridade de seu ego frágil. Afinal, como se diz, como amar o de fora se não se ama o de dentro? Como amar sem se amar? O invejoso nunca se rende a verdades tolas e simples e misteriosas como essas, pois para ele toda tolice é obscura como a ideia exterior de "eu" que sustenta, disfarçando a inveja com egocentrismo. Basta ver que o invejoso não é carinhoso, é adulador; não gosta de receber um amor que enxerga mesmo que duramente, prefere ser adulado, mimado; não sabe falar de igual pra igual, mas só no contexto de uma hierarquia.
Nessa inversão de valores que os olhos gordos fazem em sua relação deturpada entre o dentro e fora, acabam também por sentir prazer só na dor, amor só no ódio, criatividade só na destruição, mesmo que nos pequenos gestos quase invisíveis.
É fácil reconhecer um invejoso, a menos que você também tenha olhos gordos. Olhos gordos sempre acabam por pesar e fazer a cabeça baixar, peso que também exige esforço exagerado de erguer-se com superioridade afetada, mas, sobretudo, baixam um momento ou outro, diante da imagem radiante da única felicidade possível: a felicidade leve e provisória, como as asas de uma borboleta que vive apenas dois dias e cujo voo é louco, cuja beleza é tão exuberante quanto inútil, tão urgente quanto despropositada de intenções humanas.

2 comentários:

  1. bela reflexã sobre os olhinhos sarcásticos e veementes. vamos pedir piedade pra essa gente - pra todos nós.

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  2. PARABÉNS MEU AMIGO!

    SEU TEXO CHEGOU AOS MEUS OLHOS COMO UMA DDOCE E SERENA ORAÇÃO!

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