sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Duplos

Tela de Magritte


Não tem casa que eu queira. Nem em Paris. Quero o mar e o sol. Quero viajar pelo mundo com um amor. Eu sei, eu sei, há que se rir desses sonhos unânimes que me demonstram ser um igual. Mas só este sonho parece valer a pena. Cansei da inocência dos inocentes e da malícia dos maliciosos, embora meu cansaço nada possa. Quem se deitará comigo para acreditar que nem as estrelas podem consolar, só braços amantes? Nunca me senti tão só nem nunca conversei com tantas pessoas distintas. Talvez eu esteja pagando o preço por sempre desconfiar do conforto. Talvez eu esteja crescendo o suficiente para não acreditar mais em verdades ou prazeres. O único êxtase que ainda parece valer como justificativa para executar o trabalho de ter que ficar de pé é o dos amantes, pois ilusão compartilhada com força de carne é a única que reluz um sinal de coragem, ímpeto de assumir o medo, ao menos. Mas, coragem para quê? Oras, para continuar temendo a morte; isto alivia o tédio. Cínico? Só para você que me lê e desconfia. Para mim, sou criança, só me pergunto. A resposta eu dou como luar, frágil, mas a pergunta é pedra, lançada na cara de algum barbado cheio de saberes, como faço com o espelho quando me tolero a ponto de desdizer a beleza que encontro ali. Alguém poderia me dizer que sou lindo por sentir falta de pessoas e não de coisas, mas é que eu me irrito fácil com as pessoas na maior parte do tempo, essas pessoas que seguem na administração do mundo, acreditando que trabalham para a manutenção dos próprios prazeres. Quanto aos rebeldes, não suportariam que toda gente viva desistisse de tudo e montasse uma grande e única banda de rock; os rebeldes precisam da luta, esta arma letal que roubaram de seus próprios inimigos a quem acusam em nome de uma justiça abstrata. O problema, óbvio, é que tem gente demais. Até sei que é meio estúpido ser crítico-apocalíptico agora, mas, juro, não é por esse sentido humanitário. É apenas mais desespero sem forma nem conteúdo. E veja, eu argumento ainda mais, só para mostrar como isso de ter de dizer é chato: se todo mundo ficasse quieto, meio budista-vegetariano, a fome não seria menos indecente. Digo isto não para lembrar da fome, mas porque a fome lembra nosso fracasso. Este fracasso que, ainda assim, é um dos melhores quinhões da beleza universal. Ou será que digo isso porque não tenho vontade nem de conhecer a lua? Ultimamente, qualquer lugar é uma rua apinhada, mesmo uma ilha deserta para dois amantes. Doei-me para a tal humanidade para, quem sabe, ter minha dor justificada, mas agora penso em amaldiçoar quem inventou a palavra dor. Certamente, foi alguém que teve consciência de que existe uma consciência, fornecendo incessante a lembrança implacável de um grande momento de prazer onde a vida pareceu quase como se sonha. Mas o pior é que nem posso idealizar o meu passado, pois minha memória me alerta de que nunca fui consolado da dor de doer. Sempre foi assim, até o ponto em que julguei, imaturo, poder viver dessa dor contra a qual não se luta quando se passa a acreditar que cada significado criado por nossas palavras não disfarça o modo como somos acomodados dentro das caixinhas. Ou o problema seria eu, que me recuso a treinar meu corpo para me tornar um soldado mais competente? Por enquanto, tenho competido com a minha preguiça, esta forma de morrer para não ter de matar, uma recusa nada nobre, mesmo porque minha preguiça não se compraz, antes se tortura nessas palavras que recusam outras palavras iguais. Mas, tudo bem, como dizem os fracos, alguém lerá isto e se sentirá melhor, compreendido, por um momento, ao menos. E se isto acontecer, me sentirei menos só, e terei novamente a ilusão de que me curo na cura do outro. Em suma, pergunto ao espelho: quais luzes do reflexo parecerão reais o suficiente para dar-me vontade de um prazer qualquer? Melhor nem dizer nada sobre o amor agora.

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