"Um fato básico que os 'adeptos' da sabedoria da Índia costumam esquecer é que os mestres indianos e aqueles que se libertaram das cadeias do mundo rejeitam todos os valores da Humanidade. A 'humanidade', no sentido do ser humano, o ideal de sua perfeição e o ideal da sociedade humana perfeita, foi da maior importância para o idealismo grego, como ainda o é para o cristianismo ocidental em sua forma moderna; entretanto, para os sábios e ascetas indianos, os Mahatma e salvadores iluminados, a 'humanidade' não era mais do que uma casca a ser partida, quebrada e abandonada. Porque a perfeita inatividade do pensamento, palavra e ação, é possível unicamente quando se morre para todos os interesses da vida: morto para a dor e o prazer, bem como para todo impulso de poder; morto para os atrativos do exercício intelectual; morto para os assuntos políticos e sociais; imóvel, profunda e absolutamente desinteressado mesmo pela condição de ser humano. A última, sublime e suave cadeia, a virtude, também é, por conseguinte, algo a ser cortado. Não pode ser considerada como meta; ela só é o início da grande aventura espiritual do 'autor da travessia' , um degrau no caminho rumo à esfera sobre-humana. Outrossim, esta esfera não é apenas sobre-humana, é também superdivina: está além dos deuses, de suas moradas celestiais, de seus prazeres, de seus poderes cósmicos. Conseqüentemente, a 'humanidade', tanto em seu aspecto coletivo quanto individual, não pode continuar preocupando alguém que seriamente se esforça por atingir a perfeição seguindo a rota suprema da sabedoria hindu. A humanidade e seus problemas pertencem às filosofias da vida, que analisamos anteriormente: as filosofias do êxito (artha), do prazer (kama), e do dever (dharma); porém estas já não interessam àquele que literalmente morreu para o tempo, e para quem a vida é morte.
'Deixa aos mortos sepultar os seus mortos': esta é a idéia. Justamente por isso resulta tão difícil - para nós, cristãos do Ocidente moderno - apreciar e assimilar a mensagem tradicional da Índia."
Filosofias da Índia - Heinrich Zimmer