sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

O Espelho no Escuro - 2

PRAZER

Prazer bom é o que não se esgota fácil, e que, mesmo na repetição da tentativa, surpreende sendo o mesmo. Sem dúvida o melhor prazer - e aqui não há nenhuma metáfora - é o que escorrega fácil e que se compartilha com outro par de olhos, sem nenhuma explicação adicional, seja esta o amor ou o egoísmo. Prazer bom é prazer vão, e que, em sua sua vacuidade, não nos furta do presente, antes reconcilia-nos com a dureza inegável do instante. Prazer bom é o que nos convida ao riso e, paradoxalmente, nos dispensa mesmo do sorriso mais breve.
E os outros prazeres, menos dignos, o que são? Tentativa de segurar nos dentes uma inocência perdida que de fato nunca aconteceu. Prazeres incertos também são aqueles filhos do vício, pois que não são descompromissados com a memória de um prazer antigo e com a expectativa de um prazer definitivo. O vício é mortal pois a busca renovada do prazer definitivo é uma ilusão que não se percebe avizinhada da morte, essa única coisa definitiva, essa única definição sem par.
Prazer puro é o que não nasce da carne, embora a atravesse, mas da fantasia. O prazer puro só acontece como recompensa justa a trabalhos em si prazerosos. Prazer puro é a inocência que não se conhece pelo nome num corpo de alma persistente; não é coisa para crianças que fazem birra.
Todo prazer, se é prazer, mesmo que nasça na meditação de um livro, é sentido como acomodação do coração no espaço que lhe cabe e como conforto da genitália que se esquece, integrando-nos com todas nossas partes, integrando todos os nomes de coisas que têm nome. O prazer total é o que rebate na carne e reverbera no espírito, se este o há, como experiência mística, holística, de integração dos seres e desintegração das máscaras individuais.
A dor, ainda que se pretenda universal, tem um nome, uma história, uma situação. Já o prazer é a única expeirência natural (anterior à morte) que iguala os homens, pois mesmo sendo uma experiência tão íntima e circunscrita quanto a dor, provoca o esquecimento e esquece as expectativas; apaga a memória e a esperança; é o que é, sem tempo de ser.

Um comentário:

  1. Puxa que textos esses dois "O espelho no escuro 1, 2" minha imaginação foi a um lugar novo agora.

    ResponderExcluir