quarta-feira, 27 de abril de 2022

Para não esquecer (Gui Nascimento 88-22)

Agnaldo de Assis Nascimento, um de meus amigos mais amados, o escritor vivo brasileiro que eu mais admirava, decidiu partir no último dia desse carnaval fora de época. Fiz um compilado de nossas conversas feitas em diversos meios. porque é urgente, porque não tenho uma razão para isso, e sem razão as coisas se movem com outra importância que nos cabe respeitar. 

[foto tirada no lançamento de Horses, em 2019]


***

15/10/18

Alê,

Reler Nicotina Zero acabou coincidindo com algumas coisas que ando (andamos) lidando nos últimos dias. Nós sabemos: tão amargos quanto o peso fuliginoso da nicotina têm sido esses dias de incerteza (ou quase certeza de que o pior está por vir), esses dias de fascismo batendo à porta, essa sensação putrefata de impotência. Enfim.

A pausa do DJ coincidiu com a pausa que eu precisei fazer. Uma pausa da exposição cotidiana às absurdas coisas que estão acontecendo. Eu precisava dessa pausa, pois sinto que o meu filtro nem de longe consegue lidar com tanta desgraça ao mesmo tempo. E o resultado foi esse. Espelhei minha pausa na pausa do DJ e entendendo que essa pausa não significa, em hipótese alguma, aderir ao estático. É puro movimento, trânsito, tudo contabilizado dentro do bojo do grande relógio no topo das páginas que iniciam cada capítulo do teu romance. Engraçado que imaginei o relógio da Paulista guiando essa madrugada, pois não dá pra não pensar em São Paulo nesse teu romance filhadaputamente paulistano. Adoro os cognatos: Rua Áurea, Praça Alta. Os lugares entrelaçados com maestria aos monólogos do DJ formam uma arquitetura única dentro de Nicotina Zero (gosto em especial da “viagem” que ele tem ao lado de Alice e com a descrição dos grafites e da festa sonhada na Praça Alta).

Nicotina Zero é desses romances que possuem um núcleo próprio, que criam um mundo-que-só-dura-uma-noite, como o dia do Sr. Bloom ou o mundo singular de Graça Infinita de David Foster Wallace. Acho que é assim com todo grande romance. Também me chamou a atenção o fato de o encontro com o diabo ser uma espécie de “só mais uma dentre as tantas possibilidades que ocorrem numa noite urbana”. Sim, há muita relevância nesse episódio, mas não é o ápice do livro, o que seria empobrecedor já que estamos saturados de relatos sobrenaturais em nossa quebrada ocidental. Esse diabo vestido de mauricinho gótico se alinha ao anjo da Cristina Judar no panteão das criaturas místicas despidas de misticismo (o que eu acho um escândalo!). Também a sua mania de escrever deus com minúscula meio que me ajudou a entender certa desmistificação dos seres sobrenaturais quando dentro de um contexto urbano-noturno.

Um capítulo que talvez eu não tenha apreciado tanto foi o “Faces esfumaçadas”, talvez por estar meio cansado dessas análises sócio filosóficas dos “personagens” da noite. Mas isso é coisa minha. Não considero um defeito e, se não me engano, até o próprio DJ ironiza o fato de estar sentado na mesa do bar, bancando a julgatiely do rolê. Enfim, provavelmente eu também tenha uns trechos igualmente sociologizantes tanto em Horses quanto em outros textos.

Também algo que eu poderia apontar, e sempre esses apontamentos são tardios, uma vez que teu percurso de escritor já se aprimorou desde Nicotina Zero, é a questão dos diálogos. Eu, enquanto apaixonado por Cortázar, sempre acho que os diálogos são aquela espécie de vitrine do romance (quando ele possui diálogos, é claro), por isso, acho que no teu romance, poderia ter rolado um desenvolvimento mais aprofundado, não necessariamente no conteúdo dos diálogos, que são incríveis e profundos, mas sim em sua construção estética. Coisa boba mesmo, piração minha de sempre querer fugir da fala comum e cotidiana. Ao mesmo tempo gosto do tom “vago” das falas entre o DJ e Alice, pois é um vago que diz muito e coincide com a solidão do ser noturno. Claro que, como eu já disse, essa é uma crítica anacrônica, provavelmente você já deve ter aprimorado muitas coisas desde a publicação do Nicotina, e dentre elas, possivelmente o diálogo, que é a coisa mais difícil pra todo escritor a meu ver.

Os capítulos em primeira pessoa, que são raríssimos, eu apelidei de “capítulos emparedados”, são como uma pausa dentro da pausa do DJ e aparecem na hora certa. Fiquei de cara com essas ocorrências e acho que aliviou certo peso na estrutura geral do livro.

Gosto da paixão com a qual você descreveu o encontro do DJ com Daniel, paixão essa que se espalha por todo o livro. Acho que todo primeiro romance tem isso e é justamente por essa razão que ele possui uma espécie de coerência interna capaz de criar um mundo à parte que é, ao mesmo tempo, tão verossímil.

Uma coisa que eu ainda não te revelei é que Nicotina Zero é irmão gêmeo do romance que acabei de reescrever “A Cabeça do Herói Mitológico”. Acho que nossa proximidade com autores como Caio F, além de nossa vivência na noite paulistana possibilitou essa coincidência.

No meu romance há um personagem não nomeado, que é fotógrafo, que se vê guiado por outro personagem chamado Alexandre (!), um estudante de História da Arte. Ambos saem noite adentro tentando enxergar com novos olhos os já batidos roteiros noturnos. Fiquei muito feliz quando li o Nicotina pela primeira vez e encontrei essa similaridade que, a meu ver é muito positiva, pois só reforça que nossos textos, junto com os da Judar, dialogam numa esfera de intensidade única.

Por hora, essas são só algumas das impressões causadas pelo “efeito” do teu Nicotina, ainda quero aprofundá-las e, claro, futuramente faremos aquela reunião pra falar dos nossos livros.

Aguardando ansioso pelo Itinerários!

 

Beijo.

Agnaldo de Assis Nascimento.


30/01/19

Alê: Gui, meu Deus!!! Acabei de ler seus Horses. Como você conseguiu escrever esse livro, cara?????? Estou chocado com a sua genialidade. Esse país não está preparado pra você, cuidado.


16/03/19 

Alê: Gui, por favor, guarde a receita desse drink: “Ele é Dark e Ela é Storm” (woodford reserve bourbon, extrato de gengibre, essência de amburana, limão e club soda)


20/04/19

Gui: Tá por aqui?

Alê: Não, tirei essa foto no dia que fui na sua casa kkkkk

Gui: 😂😂


16/05/19

A realidade sempre um passo atrás, atrasada, beijando os calcanhares desses diálogos de porão. Tome fôlego para acompanhar de perto as galopadas de calma-fúria que nos guiam por essa espécie de epopeia de punk art que marca a bela estreia de Agnaldo Assis Nascimento como romancista. Temos que bater forte os cascos no chão se quisermos acompanhar os traços de fogo deixados por esse carrossel narrativo formado de vozes de garotas e garotos suburbanos, cada qual com uma história familiar um tanto sombria, circulando por cantos escuros e barulhentos como o OK Rock Bar e o casarão antigo onde moram dois de seus frequentadores, irmãos órfãos que acolhem comparsas desajustados. São personagens com um riso onde o prazer e a dor não cansam de brindar. Autoexilados não só da família, mas de outros parâmetros de realidade, cada qual vivendo sua própria epopeia subjetiva, sempre mordendo o outro lado das coisas do mundo, no esforço contínuo de priorizar o prazer do instante presente e da força da juventude, embora nos seja revelado em muitos momentos que ter um corpo animal, se abrindo em flor, cansa. Esses cavalos selvagens se tornam quase seres míticos que se cruzam e se contradizem, podendo representar muitas outras gerações de jovens perdidos, de forma que só o leitor saberá recriar o enredo com liberdade, com suas próprias lembranças. Como os jovens de qualquer idade, esses Horses tentam achar espaço entre um fanatismo por tudo que é vivo e uma apática indiferença. Munidos dos melhores discos e livros clássicos da cena de rock internacional e local, suas conversas ácidas são fortalecidas por referências que vão de Homero a Patti Smith, cujo álbum seminal nos é lembrado desde o título. Esse livro é tão grande em tantos aspectos que esperamos que sua amplitude eletromagnética chegue até os ouvidos da grande bruxa novaiorquina. Horses é um romance sobre cruzar fronteiras.


Alexandre Rabelo


04/07/19

Gui: A Bíblia chegou [Horses] 😂😂😂 Ainda bem que no papel pólen vai dar metade disso.

Alê: Amém 😂😂😂


23/08/19

Alê: Viu que fiz um vídeo lendo um trecho?

Gui: Siiiiim. Ficou demais 💜💜💜 Vc e a Felina [personagem de Horses] são duas desaforadas 😂😂😂


24/08/19

Gui: [Dedicatória ao meu exemplar de Horses]: Ale, obrigado por estar ao meu lado nessa trilha punk art. Espero que nossos caminhos sempre se cruzem dentro e fora da literatura. Torço por cada livro que você publica. Sempre uma satisfação estar ao teu lado. Agnaldo


27/10/19

Gui: 


Alê: Acredita que tinham duas pessoas que não estavam acreditando que não pude entregar as coisas no prazo porque estou doente?

Gui: Foto de soro é o novo atestado 😂 Nunca pensou em retirar as amígdalas?

Alê: Teve aquela moda nos anos 80 e 90 né. Depois passaram a falar que não pode tirar porque é uma defesa do corpo. Como eu adoro chupar uma rola, amigo, resolvi deixar, mesmo sabendo que quem não tem amígdala chupa melhor hahahaha

Gui: hahahahahahaha prioridades


15/10/19

Alê: Esse seu amigo é gato, PQP

Gui: meu hétero de estimação 😂😂😂


10/03/20

Gui: Não é que o escritor tenha que ser o bicho místico vivendo numa cabana recusando prêmios de reconhecimento, eu gostei desse trecho porque parece resgatar uma essência perdida, um escrever porque é vital, como comer e dormir. Estar satisfeito com o ato de escrever, acho que muita gente nem sente isso, termina um livro já entra na paranoia de publicar e ter leitores e ganhar prêmios, etc.

Alê: Vou te falar que você é um daqueles amigos que eu conto nos dedos de uma mão que realmente se interessam em conversar sobre literatura e não sobre o meio literário. Aliás, já faz um tempo que estou querendo ter uma conversa eu e você, você e eu, sobre literatura. Acha um tempinho pra vir aqui!

Gui: Quero muito. Vou achar esse tempinho.


25/07/20

Alê: fiquei pensando num texto que você escreveu esses dias sobre uma pessoa que não consegue nenhum tipo de transcendência, que só fala de coisas cotidianas. Queria saber quem é. Quero muito me tornar essa pessoa Kkkkkk

Gui: 😂😂😂 Eu estou nessa fase foda, mas acho que sempre foi assim. Não quero aprovação literária nem puxar o saco de ninguém, acho a cena literária deprimente, não é esnobismo, eu simplesmente não me encaixo. É como ser viado no mundo hétero.

Alê: Acho que ainda vamos conversar muito sobre isso. Trabalhos da qualidade do seu merecem a luta.

Gui: Sim, essa é uma conversa clariciana: sem sinal fechado. 


02/10/20

Gui: No meu “A cabeça do herói mitológico“ o personagem Alexandre é o ser que guia o narrador noite adentro ❤️

Alê: ❤️❤️❤️ Não estou na sua vida à toa kkkk



05/10/20

Alê: Estou ouvindo a playlist do seu livro. Você costuma escolher músicas suaves dentro de discos clássicos, muito precioso.

Gui: ❤️


16/10/20

Alê: Se eu sumir, me encontrem aqui [ilustração distópica]

Gui: Vai ser dona da taberna que eu sei 😂😂😂


30/10/20

Gui: Queria esse livro, çokorru! [cartas pornográficas de James Joyce]

Alê: Credo, que delícia!


26/01/21

Gui: Aêê. Felicidades, meu querido🤘❤🍸

Alê: Obrigado, meu amor, continuo com muita saudades de ti. Beijos


12/03/21

Alê: Nossa, 54 anos é muito tempo, Gui. Daqui a pouco rock vai fazer 100 anos kkk

Gui: E estar morto, amém 😂

Alê: Bom é assim, morto que ninguém esquece 😅


03/07/21

Gui: Vc tá na paulista? Avisa se descer. Estou na Roosevelt.

Alê: Ah que pena! Estou morrendo de saudades…. Eu passei pela Roosevelt de bike antes de ir pra Paulista, voltando da ZN. Depois subi a Augusta, agora já estou em casa. mas…… fds que vem, tô por aí :)


29/07/21

Alê: O Ariel acabou de me falar do encontro de vocês, fiquei extremamente feliz.

Gui: Amay. Mas confesso q fico nervoso perto dele, parece q estou do lado de uma Clarice ou algo do tipo😂 mas ele é um amor.

Alê: E eu não sei? Por isso que eu converso com ele pelo -2 vezes por semana pelo telefone, nossas conversas duram uma hora e meia no mínimo kkkkkkkk Você é um grande escritor, Gui. Se toca logo se não vou dar na sua cara kkkkkk

Gui: Mas vc é atrevidíssimo, adoro kkkk

Alê: E você tem que ser mais um pouquinho também Kkkk vou dar na sua cara, cuidado Kkkk

Gui: Só com dorgas kkkk

Alê: Então prepare logo o seu kit atrevimento-químico, vai entrar na roda sim kkk

Gui: ❤️ kkkkk


17/08/21

Alê: Amando suas poesias, um pouco como trocar a profusão pela imagem única, bela aprendizagem da síntese pelo Bolaño, quero muito ler esse livro de poesias dele.

Gui: Depois de tanta influência verborrágica o Bolaño me ajuda a enxugar até o osso😂😂😂

Alê: Sim, nossa, que máximo você experimentar o oposto agora, foi visível.


27/11/21

Gui [no meu ouvido na mesa do bar]: Ganhei o concurso da Biblioteca Pública do Paraná…

Alê [agarrando a mão do Gui, boquiaberto]: Seu filho da puta genial! Como você conseguiu o primeiro lugar com um romance gay num dos estados mais conservadores do país???

10/12/21

Alê: Nossa, que incrível! [sobre uma foto do Gui se bronzeando no alto do prédio]

Gui: Criarei uma rotina pra pegar um bronze na hora saudável🙂

Alê: Ajuda muito na questão do humor que a gente estava conversando, além de que vai ficar mais gato.

Gui: 

Alê: hahahahahahahahahahahahahaha


15/12/21

Gui: ❤️❤️❤️ obrigado pelo carinho!

Alê: Alguém tem que te divulgar, amigo hahaha

Gui: ❤️


28/12/21

[Alê pública em seu blog uma resenha de “Marte em Áries”]:

http://alerabelo.blogspot.com/2021/12/uma-leitura-de-marte-em-aries-de.html


27/01/21

Alê: Gui, vamos pra praia esse fds, pelamor??

Gui: Oba! Vamos! 


10/03/21

Gui: Alê, reescrevi o primeiro capítulo de “A Cabeça do herói mitológico”. Veja se você acha que está mais inteligível agora. Mandei para o concurso José Saramago.

Alê: Oba! Mas porque você não me mostrou antes de fazer a inscrição?

Gui: rsrsrsrsrsrs


01/04/22

Gui: Queria botar fogo nessa porra toda de dependência virtual 🔥🔥🔥 E na elite literária e artística paulistana😂😂😂

Alê: Kkkkkkk. Sim, são dois grupos puristas insuportáveis, os biscoiteiros fúteis e os escritores brancos paulistanos. Uma menina acabou de fazer esse comentário. De que os escritores também devem odiar ver os meus biscoitos. Eu quero mais é que se foda kkk

Gui: Amigo, meu único interesse é em escrever, e nisso não tem nenhum excentrismo. Só não curto o que vem depois e acho as pessoas da literatura insuportáveis 😂😂😂 Eu sei q vc planeja e pensa o seu caminho literário segundo os seus termos, e não está errado, porquê não existe certo ou errado nisso. E estou feliz pelas suas conquistas🤘 Tem quem queira se envolver e quem tá cagando e andando pq isso nunca vai mudar e eu pertenço à segunda classe, desculpe se soo alienado😂

Alê: Quando eu tinha 30 anos como você eu não tinha estômago pra essa luta que estou fazendo agora. Talvez seja também uma questão de fase da vida.

Gui: Só não jogo nada. Nem entendo disso. E quem joga não julgo pq sei q tem uma trajetória por trás. Vc joga e te entendo. Sem julgamentos. É muito inteligente e te admiro. Pelo estômago.

Alê: Sim, haja estômago. Mas eu também não acho nossas atitudes opostas. Eu acho que são bem complementares, nós nos fortalecemos juntos, é um coletivo. Mas eu realmente falo com quem eu gosto. Daqui 10 anos a gente conversa de novo sobre isso 😂😂😂😂😂 Se você já escreve esses livros agora, imagina com a minha idade 🥰

Gui: Talvez eu não escreva mais e tá tudo bem. Não é drama. Só cheguei no muro. 

Alê: São bons esses impasses, leva pra um outro nível. Você realmente foi até o fundo numa proposta.

Gui: E talvez depois dos 40 eu descubra novas coisas.

Alê: Aliás, tomara né :)

Gui: Mas agora não quero nada com a literatura.

Alê: Super te entendo. Te respeito, Gui.

Gui: ❤️



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