Há dez anos ou mais, eu e a Cláudia (http://inkuts.blogspot.com/), amiga de alma e arte, brincamos seriamente de fazer uns trabalhos em conjunto, um mix de desenho e poesia. Ela começou desenhando; usou algumas de suas múltiplas armas expressivas para dar luz a certas urgências do inconsciente, e eu tentei registrar as palavras que as musas sugeriram a partir dos desenhos. Até deu orgulho ver o que fizemos aos 19, 20 anos.... Ei-los:
Eu, que fui tão somente um giro de sol.....
de talões desnudos, transpus campos de coroas de cristo;
e um passo adiante, pisoteando bolas de algodão em flor,
criei barbas ruivas nas solas sangrentas....
no meio das mil dunas, tomei da ampulheta apenas,
tornando-me também um senhor do tempo ao fiar linha arenosa
por minha laringe tal couro esticada.... trespassei fantasmas moluscais com lâminas de prata,
incandescentes. Passantes, amantes; todos eles....
alentei, em mãos molhadas de oceano, meu umbigo febril,
convulsionado. Linhas frígidas sobre as lesmas de dor....
emaranhei os cachos da sereia, e vi que teia ainda é seda.
Nas caudas limbosas dos tritões, esfreguei o breu,
até que o atrito se fizesse um sustenido....
nos olhos fui gotejado de saliva cancerosa. Espessa,
rompendo camadas do céu. Sempre fui um cego....
enroscando nas próprias lãs, cocei o queixo num pêssego caído.
As manchas da queda eram úmidas como olhos vazados....
sufoquei a fome com asas de borboleta. tantas quantas pude encontrar....
tive o rosto a borbulhar, passivo a ventos devassos;
e, escondendo-me sete palmos abaixo das águas,
vi o sol correr de novo de um fim a outro enquanto esperava.
Eu, que soube de cada cicatriz da Natureza,
até a chegada da noite, com as falanges trêmulas,
Se há de haver uma gota, se for uma gota,
que role então - acanhada pêra às pressas colhida -
de pêlo a pêlo rastreando tatos em abandono.
De pêlo a pêlo a alegoria de mineiros caindo em séquito.
- Que caia negra.Que seja negra e negros sejamos nós.
Se há de haver o artista da multidão,
que crie então - deliberado e conciso, de olhos trêmulos -
de nuca a nuca edifique um frontispício.
De fronte a fronte - as frescas, as cansadas, as machucadas, as aureoladas.
Que crie e tão somente crie. Criar ainda é movimento.
E frágeis de veias a estourar, que sejamos nós
sua obra de arestas mal polidas, inacabadas.
Ainda se arde na terra - calvário luxuoso de nossas torres.
Ainda a terra arde, e com ela nossos tendões - seda dos pés-calcário.
A sombra ainda alenta e tão lenta passa erigindo novos mapas
sobre nós, sobre os convites entregues, sobre o dia. Sobre a terra.
E no fim , refaz sua paz com a lua, seja esta a meretriz.
À noite, a sombra faz as pazes com a lua - fazem seu entoar
de ninar sobre a pele que dissimula os olhares da seda.
Que sejamos para o sol só o que se vê. Só o que se vê.
Como sempre, que sejamos mineiros caídos em diamantes de arestas e brilho primatas -
Feito o sol para a antiguidade.
Para os sequazes os olhos do dia, que sejamos apenas um detalhe.
E para o resto do tempo, que sejamos o resto de nós.
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