quarta-feira, 25 de abril de 2007

Dos quatorze aos catorze

sp14nov06

Aos quatorze anos, decidi fazer da palavra o meu meio de vida, sentia uma necessidade imperiosa de registrar o que eu julgava ser o meu olhar original, distorcido, diferente, deformado, decadente sobre as coisas e abaixo delas. Também acreditei ser capaz de olhar para as coisas sem afetá-las nem por fora, nem por dentro. E procuro escrever apenas o que vejo, fora e dentro. Sempre tive dificuldade em me sentir original, como quer a moda, mas julgava-me talentoso, como quer a arte, sim, eu me julgava talentoso em viver escondido nas palavras, manuseando o sentido das coisas, o sentido de Deus. Eu sentia-me pleno na palavra homem. Às vezes, ainda hoje, torno-me o animal que sou e julgo-me mago, possuído de um egoísmo feroz, orgulhoso de esconder meus talentos para o momento certo, de revelá-los apenas para os iniciados. Mas, ultimamente, na maior parte do tempo eu apenas projeto e escrevo, lento demais para o meu gosto. Enquanto isso vivo, e apenas vivo. Quero acreditar que meu trabalho está bom, e sei acreditar e desacreditar se for preciso quantas vezes forem, mas dependo dos mais nobres sonhos para realizar o trabalho, e tenho medo de que a nobreza de meus sonhos se desfaleça cada vez mais em loucura, e não sei se rio ou se choro, mas sei que a Razão, a Luz, o Sol, Deus e minha dor de falta de amor me orientam na jornada gélida às sombras da noite, da alma, do Ser, do mais remoto passado, do mais longínquo futuro. Sou um religioso de tradições simplistas. Sou grosseiro como só o corpo sabe ser. Sou pretensioso, sim, por querer ser uma voz da humanidade posso ser considerado um perfeito capitalista ocidental com minha arrogância de concreto armado, e pareço ainda mais tolo por assumir com antecedência esta sombra. Eu prevejo a sombra para manter um sorriso, nem que isto doa a alma. Meu nome está protegido no segredo das estrelas, não falo dessas celebridades de plástico, mas das estrelas verdadeiras, as supremas, aquelas que os amantes trazem para o beijo, aquelas que calam um cientista, aquelas que um poeta ousa descrever. Disseco meu ego-santo-sonho e sei sentir-me humilde, quando é preciso. Só quero sobreviver, e no fundo sinto-me protegido apenas pelo meu medo, desde o mais instintivo impulso de sobrevivência até as esferas mais celestiais que o futuro do homem não pode alcançar. Quero para o alto, para os lados e para baixo. Quero um cigarro antes e depois de meu desejo. Tenho vícios, burrices, erros e os admito com o mesmo alívio reprimido dos depoentes de grupos de ajuda.
Sinto que aos poucos perco o medo de ter medo. Sei que daqui para frente terei menos medo, mas tenho medo da quantidade de medo que terei de enfrentar até a morte, e tenho tanto medo que a morte me alcance antes de cumprir minha missão de vida que nem sei falar disso sem parecer piegas, brega, cafona, como quiser me escrachar. Por isso, paro por aqui. Só seguirei, como sempre, para dizer uma última coisa:
No começo dessa soma de frases, eu queria escrever uma carta para meu pai, para lhe dizer que já faz anos que eu quero dizer e não consigo, vinte e oito para ser exato, duas vezes 14, mas, como sempre, saio da escrita com outra coisa, insatisfeito com o que meu pai possa entender de mim.
Não vou dizer que chorei, porque chorei, guardo essa informação para os iniciados... Sou obrigado a disfarçar: perdoe-me pai, mas essa carta vai para nossa cachorrinha Nica, que ainda existe, que vive a 14 anos, que caminha para a morte com a alegria inconsciente daqueles que não estão presos em sua memória, neste dia catorze de novembro de dois mil e seis, véspera desta república que me faz rir, e que ri de mim.

Nenhum comentário:

Postar um comentário