Gostavam tão sinceramente um do outro, dos olhos, da boca, das mãos, das pontas de cada coisa, que era até perigoso chamar isso de amor. Amor parecia outra coisa que tinham vivido e não queriam mais, não diante desse gostar de criança, sem nome de nada, com forma de brincadeira de fazer rir dos piores defeitos, sem riso de inteligência que julga, apenas como dois palhaços.
O loiro se sentia tão espontâneo que se permitia até ser gostado no que tinha de feio, e exibia isso só para o moreno, em danças de contorções que expunham toda uma história de ter de ser flexível e curar-se pela cura de uma criança doente.
O moreno se sentia tão renovado por uma certa idiotice de apenas ser, que pela primeira vez em anos não precisava nem ser sedutor, nem inteligente; era apenas um ouvido perplexo, um olhar inocente, uma boca pensa de quem não sabe o que pensar e nem quer.
Definitivamente não era amor - essa coisa chata de gente grande - era retorno à infância, à essência do que não tem nome nem nunca terá. Era coragem de dizer tudo, até história de fazer chorar, pois que importância tinham as palavras tristes diante daquele conforto de confiar no escuro?
Era uma força de serem solitários pra valer desta vez, marcados pela vida e pela morte, e exatamente porque estavam juntos no fundo dos olhos irremediavelmente sós, sem ilusões. Era tão de verdade que nem precisavam viver enlaçados; o respeito de santo e a cumplicidade de bandido eram os mesmos à distância, mesmo sem beijo nem nada que viesse debaixo da pele para provar que estavam bem.
Quando estavam juntos na cama, não se enlaçavam na prisão do desejo. Ao contrário, deixavam o coração correr livre, para longe, para a saudade de outro tempo, e só denunciavam suas ansiedades no toque mínimo de um dedo de pé e outro da mão, delicadamente, sem forçar uma prova de carinho como fazemos quando transamos com qualquer um e queremos ser educados e humanos.
Quando estavam na cama eram da mesma família, e seu espaço no escuro era tão sagrado que mesmo a excitação do sexo parecia corromper essa correspondência mútua, como se não tivessem o direito de ferir com um desejo ardente, com uma pressa qualquer de prazer e alívio, as bocas quietas e o sexo endurecido na tranquilidade do sono.
Quando ficavam confusos, tinham vontade de se separar para não correrem o risco de magoar o outro com uma imperfeição injusta. Tinham tanto cuidado um com o outro que preferiam ser confusos na sedução de outras bocas fáceis de desejar. Gostavam tanto um do outro que não se permitiam estar juntos apenas pela liberdade fugaz do gozo. Gostavam tanto que não se permitiam ser vaidosos um com o outro, preferindo errar por aí na hora da insegurança, fingindo força para pedir um elogio de alguém que se deslumbrasse com suas belezas. Até nisso eram parecidos, até nisso seu gostar os tornava humanos por inteiro, partidos. E gostavam tanto um do outro, o loiro e o moreno, que até achavam errado serem tão diferentes, como se um gosto de um maculasse o gostar do outro, embora nunca tenham se ofendido em nada, e só tenham pecado pela inspiração que tinham em serem perfeitos um com o outro, como se fosse possivel. Gostavam tanto um do outro que até ficavam confusos quando conseguiam se divertir sozinhos, com outras pessoas, como se não fosse justo viver uma felicidade clandestina que depois trocariam no olhar, um aumentando o sorriso do outro em silêncio, mesmo na certeza de uma tristeza indizível para quem se gosta. Gostavam tanto um do outro que sentiam culpa quando um estava triste e preocupado e o outro feliz e relaxado. Gostavam tanto um do outro que tinham medo de perder a sintonia no silêncio da espera, o que os obrigava a sonhar um com outro no esconderijo de um sono impensado após o esforço de ser feliz.
Dava medo de gostar de verdade sem doer na ilusão de uma paixão. A paixão dá certezas, como se houvesse alguma certeza na vida diferente da morte, e eles se gostavam no mistério mais honesto de não saber o quanto e quando gostavam, como na vida mais verdaeira fora das explicações. Seu gostar era mais puro quanto mais fosse incerto. E esse mistério era lindo e difícil de respirar como toda beleza é.
Mas eu respiro. E escrevi essa história do gostar do loiro e do moreno na fé de que os melhores amantes aqui irão se reconhecer e descansar em paz. Perdoem-me os outros a quem pareço mentir.
Ola amigo, como estas? adoro teus contos, tu me lembras Gabriel Colombo, conheces? um grande abraço, Eduardo
ResponderExcluirnão conheço eduardo, mas vou pesquisar já. Obrigado pela referência. abraço!!
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