" 'Assim como o fogo é envolvido pela fumaça, um espelho pela poeira, e o feto no ventre materno pelos tegumentos que rodeiam o embrião, assim também a compreensão é envolvida pelo desejo. A inteligência superior (jñana) do homem - que intrinsicamente é dotado de perfeito discernimento (jñanin) - está cercada por este eterno inimigo, o desejo, que assume todas as formas possíveis e que é um fogo insaciável. As forças sensoriais (indriya), a mente (manas) e a faculdade de compreensão intuitiva (buddhi), são todas consideradas sua morada. Por meio delas o desejo atordoa e confunde o Possuidor do corpo, velando sua compreensão superior. Portanto, começa por sujeitar os órgãos dos sentidos e mata este maligno, o destruidor da sabedoria (jñana) e da realização (vijñana). As forças sensoriais são superiores [ao corpo físico]; a mente é superior aos sentidos; a compreensão intuitiva, por sua vez, é superior à mente; e, superior à compreensão intuitiva, aquieta firmemente o eu por meio do Eu [sa: o Possuidor do corpo, o Eu], e mata o inimigo que tem a forma do desejo [ou que assume qualquer forma que lhe agrade] e que é difícil vencer.'
'Ao contemplarmos os objetos dos sentidos interiormente, visualizando-os e ponderando-os, criamos apego a eles; do apego nasce o desejo; do desejo surgem a cólera e as paixões violentas; da paixão violenta, o atordoamento e a confusão; do atordoamento, a perda da memória e do autodomínio consciente; desta perturbação, ou ruína do auto-controle, advém o desaparecimento da compreensão intuitiva; e da ruína da compreensão intuitiva vem a ruína do próprio homem.'
A técnica de desapego ensinada pelo Bem-aventurado Krishna na Gita é um espécie de 'caminho do meio'. Por um lado o devoto deve evitar o extremo de se apegar à esfera da ação e a seus frutos (a busca egoísta de propósitos pessoais, com avidez de aquisição e posse), e pelo outro, deve-se evitar cair, com o mesmo cuidado, no extremo da vazia abstinência de toda espécie de ação. O primeiro erro é aquele proveniente do comportamento normal do ingênuo ser mundano, propenso à atividade e ansioso pelos resultados. Isto leva apenas a uma continuação do inferno da roda dos renascimentos: nossa costumeira e inútil participação no sofrimento inevitável que acompanha o fato de sermos um ego. Enquanto o erro oposto é o da abstenção neurótica; o erro dos ascetas absolutos - como os monges jainas e ajivika - que se entregam à vã esperança de que é possível livrar-se dos influxos cármicos simplesmente através da mortificação da carne, fazendo cessar todos os processos mentais e emocionais e matando de fome ao corpo. Contra essas coisas, a Bhagavad Gita apresenta uma concepção mais moderna, mais psicológica e espiritual: Age! porque, na verdade, agirás não importa o que faças, mas consegue desapegar-te dos frutos! Dissolve assim o amor-próprio de teu ego e com isto descobrirás o Eu! O Eu não se preocupa nem com a individualidade interior (jiva, purusa) nem com o mundo exterior (a-jiva, prakrti)."
Filosofias da Índia - Heinrich Zimmer
sabe, engraçado eu encontrar esse texto aqui hoje.. há bem pouco eu nem terminaria de ler, não tinha paciência prá esse papo. rs. mas há bem pouco também ele anda me rodeando com calma... ou eu a ela. e sabe, tá sendo bom. beijo.
ResponderExcluir"Quem usa a inteligência só esbarra nas arestas. Quem navega as águas da sensibilidade se arrisca a se deixar levar. Quem impõe sua vontade acaba se sentindo aprisionado. Ou seja, não é confortável viver na terra dos homens.
ResponderExcluirConforme cresce a angústia, surge a vontade de se instalar num lugar agradável. Quando se compreende que viver é difícil em qualquer lugar, então nasce a poesia e surge a pintura.
O mundo humano não foi criado por deuses nem por demônios. No fim das contas, são pessoas comuns, como seus vizinhos mais próximos. Se é difícil viver neste mundo humano que homens comuns criaram, não deveria sobrar lugar nenhum onde se instalar. Ora, deve ser mais duro viver na terra sem homens do que no mundo humano.
Já que é difícil viver neste mundo que não se pode abandonar, é preciso deixá-lo um pouco mais confortável, para que a vida efêmera aqui seja vivível, mesmo que num lapso efêmero de tempo. É então que se mostra a vocação do poeta, é então que se revela a missão do pintor. Todo artista é precioso, pois embrandece o mundo humano e enriquece o coração dos homens."
Natsume Soseki, Travesseiro de grama